Biografias

Newton Freire-Maia foi o pioneiro da pesquisa na UFPR

 

Professor e geneticista, Newton Freire Maia, realizou grandes pesquisas sobre casamentos consanguíneos, que levaram a importantes descobertas sobre os efeitos de alelos de genes prejudiciais, em diferentes populações do Brasil e do exterior.

Estudou também, por muitos anos, as displasias ectodérmicas — doenças devidas à má-formação de unhas, dentes, cabelo e glândulas de suor, criando uma classificação que é usada no mundo todo. Publicou cerca de 470 obras bibliográficas, incluindo artigos, trabalhos e livros.

Foi o pioneiro das pesquisas científicas na UFPR , Universidade Federal do Paraná.  Esta entrevista foi gravada em 1997, quando ele continuava trabalhando, mesmo aposentado na universidade. O professor morreu no ano de 2003, em Curitiba.

 

 

José Wille – O senhor nasceu em 1918 e foi seu avô, em Boa Esperança, em Minas Gerais, que fez despertar no senhor o interesse pela ciência?

 

Newton Freire Maia – Eu tive grande influência dele até os meus doze anos, quando ele faleceu. Três anos depois, descobri a ciência. Eu estava fazendo o ginásio em Varginha, uma cidade vizinha, e fui visitar um amigo que ia ser operado de apendicite. Vi o médico mostrando para o pai deste colega uma radiografia do abdômen, mostrando os trechos do tubo digestivo e o apêndice, que seria operado. E eu, então, descobri que tinha estudado isso há dois ou três meses. E fiquei encantado em saber que aquilo que eu estudava no terceiro ano de ginásio servia para um médico na hora da cirurgia. Aquilo me deu interesse em estudar o corpo humano. A minha primeira paixão foi biologia. Eu voltei para o ginásio – era interno – e estudei de novo aquilo que eu já tinha esquecido. Até então, eu estudava para passar, mas, daquele dia em diante, passei a estudar por prazer. No dia seguinte, pedi a um colega mais adiantado o seu livro emprestado para estudar. De maneira que a minha primeira paixão foi o corpo humano e, dentro dele, o tubo digestivo.

 

José Wille – O seu avô, que era farmacêutico no interior de Minas Gerais, tinha interesse pela ciência. Foi uma influência muito importante.

 

Newton Freire Maia – Isso. Eu o chamo de cientista amador. Os cientistas em geral amam uma ciência. O meu avô, não – amava todas as ciências! Eu via que, durante o dia, ele podia estar estudando botânica ou microbiologia e, à noite, ele ia para um beco escuro que havia lá e ficava examinando os astros, as galáxias etc. A paixão dele era por todas as ciências.

 

José Wille – O seu pai também teve um papel importante, pois fazia questão que o senhor fizesse um curso superior…

 

Newton Freire Maia – A influência do meu pai foi extraordinária, porque ele me mandou estudar fora numa época em que era caro. E nós não éramos ricos, éramos da classe média.

 

José Wille – O senhor foi cursar Odontologia?

 

Newton Freire Maia – Eu fui fazer ginásio primeiro. Mas, depois de muito quebra-cabeça, eu acabei fazendo Odontologia, porque ele dizia “No Brasil, é preciso tirar um curso superior.” Então, como havia perto uma outra cidade chamada Alfenas, que tinha um curso superior de Odontologia, fui lá e fiz o curso. Mas a minha paixão já era genética.

 

José Wille – Começando pelo curso de Odontologia, em que momento o senhor se tornou um cientista?

 

Newton Freire Maia – Quando fui cursar Odontologia, a minha paixão era genética, que começou um ano depois daquele problema de apendicite do meu colega. Um professor me emprestou um livro de biologia geral e descobri que havia nele uma parte de genética. Ao estudá-la, surgiu a minha paixão por ela.

 

 

José Wille – Genética era uma coisa pouco falada naquela época?

 

Newton Freire Maia – Muito pouco falada! Não era falada como hoje – a época dos clones etc. Era uma ciência de segunda categoria. A genética, aliás, tinha nascido havia um século. Era ainda muito nova.

 

José Wille – Curiosamente, são três irmãos cientistas na sua família.

 

Newton Freire Maia – Três irmãos. Um deles veio trabalhar comigo aqui e se tornou geneticista também. O outro foi completamente independente. Ele fez Medicina em Belo Horizonte e, no meio do curso, apaixonou-se por Fisiologia. Então, temos dois geneticistas e um fisiologista na irmandade de sete.

 

José Wille – Em 1946, o senhor foi para a Universidade de São Paulo. Começou lá o trabalho em laboratórios de genética, especificamente?

 

Newton Freire Maia – Isso. Quando fui fazer Odontologia, eu tinha contato com o grupo de genética da USP. Eu já conhecia até o professor-chefe do departamento. Em uma vez que estive lá, em 1945, ele me convidou para ir trabalhar com ele.  Pedi-lhe que repetisse o convite no ano seguinte, pois eu estava terminando o curso de Odontologia.  Então, tendo me formado, em 1946, fui para São Paulo e comecei a trabalhar em genética. Aí, fiz vestibular para a USP e consegui fazer uma disciplina que tinha genética. Quando terminei essa disciplina, me deram a obrigação de lecionar genética no curso. Eu, recém-formado em Odontologia, dando aula de genética na USP!

 

José Wille – Como o senhor deixou a Universidade de São Paulo e acabou vindo para Curitiba, no começo da década de 50?

 

Newton Freire Maia – Um dos professores da Universidade Federal do Paraná costumava ir a São Paulo mais ou menos de seis em seis meses. Ele me disse que não havia um centro de genética na universidade e perguntou se eu não gostaria de ir para lá. No fim de 1950, o professor Homero Braga, o catedrático de Biologia Geral da Universidade Federal, foi a São Paulo e acertou comigo a minha vinda. Em 1951, assinei o meu primeiro contrato com o professor Flávio Suplicy de Lacerda, reitor da universidade. E, em abril daquele ano, vim para cá com a família.

 

José Wille – Que imagem o senhor guarda da Universidade Federal do Paraná na década de 50, no momento em que começavam a consolidação e a federalização da universidade?

 

Newton Freire Maia – A Universidade Federal do Paraná, nesta época, chamava-se Universidade do Paraná. Ela era federal, mas não tinha esse nome. E, obviamente, não era o que é hoje. A universidade cresceu de forma extraordinária nestes 47 anos em que estou aqui. Tornou-se uma grande universidade – basta ver o nosso departamento de genética. Quando eu vim para cá, não havia professor e nem pesquisa de genética. Hoje, no nosso departamento, temos por volta de 24 professores de genética, fora secretários, ajudantes de limpeza etc.

 

José Wille – Pode se dizer que o senhor foi o primeiro a fazer pesquisa na universidade em dedicação integral?

 

Newton Freire Maia – Isso é verdade. Pelo que eu sei, em 1951, a não ser pelos laboratórios da Faculdade de Medicina, que é muito antiga, não havia laboratórios onde a pessoa trabalhasse o tempo inteiro. O laboratório de genética, que depois se chamou Laboratório de Genética Humana, foi o primeiro.

 

José Wille – Neste começo, a sua pesquisa se baseava no estudo genético de populações através do estudo de moscas?

 

Newton Freire Maia – As famosas drosófilas… Em São Paulo, instituiu-se o estudo das drosófilas brasileiras. E eu, ao ir para lá, aprendi sobre a genética das drosófilas. Vindo para o Paraná, comecei a estudar as drosófilas daqui. De Antonina, Paranaguá, Morretes e Curitiba… As drosófilas destes lugares, estudei muito.

 

José Wille – Como era a Universidade Federal em 1950?

 

Newton Freire Maia – A primeira coisa que me chamou a atenção quando cheguei na Universidade Federal do Paraná foi descobrir que aqui o reitor mandava. Porque, na Universidade de Minas Gerais, o reitor era uma mera figura decorativa. Na de São Paulo, o reitor também parecia não mandar muito. Isso, para mim, foi uma novidade extraordinária, porque mostrava que aqui havia mais espírito universitário do que, por exemplo, em Belo Horizonte e em São Paulo, onde os grupos separados – a Engenharia, a Medicina, o Direito – ainda eram muito poderosos individualmente.

 

José Wille – Era a fase do professor Suplicy de Lacerda, que foi um período de muito investimento, com a  construção da Reitoria e, mais tarde, do Centro Politécnico.

 

Newton Freire Maia – O professor Suplicy de Lacerda era acusado de fazer prédios demais. Hoje, verificamos que os prédios dele não eram grandes demais. Eu ouvi muita gente dizer “Esse Flávio é doido! Como faz lugar para tanto automóvel!”. Há muito tempo, não cabem mais os automóveis nos lugares que ele reservou.

 

José Wille – O senhor se adaptou bem à Curitiba da época?

 

Newton Freire Maia – Magnificamente bem! Eu já não gostava de morar em São Paulo, que tinha um milhão e oitocentos mil habitantes. Era maior que Curitiba hoje e, como cidade, era horrorosa. Eu estava em São Paulo, mas queria sair de lá. Quando me ofereceram a oportunidade de me mudar para Curitiba, vim conhecer a cidade, em janeiro de 1951. Fiquei encantado com a cidade, com a universidade, com o povo, com tudo. Era tranquilíssima! Tinha 180 mil habitantes. Hoje, tem um milhão e seiscentos.

 

José Wille – Professor, a sua dedicação foi ao estudo dos casamentos consanguíneos. O que o senhor julga de importante nesse trabalho, principalmente para o interior do Brasil, e quais são as consequências destes casamentos para estas populações?

 

Newton Freire Maia – Eu dediquei 20 anos da minha vida ao estudo dos casamentos consanguíneos em geral no Brasil. Eu também estive, em um período, fazendo estudo desse tipo de casamento em Portugal. Mas minha dedicação maior foi no Brasil e o meu primeiro trabalho foi fazer um mapa brasileiro da distribuição dos casamentos consanguíneos. Verifiquei, então, que a frequência dos casamentos consanguíneos era muito baixa no antigo Sul, que incluía São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e crescia abruptamente quando se entrava em Minas. É um fenômeno interessante a separação entre o novo Brasil – que é o Sul – e o antigo Brasil – que começa em Minas. A travessia entre São Paulo e Minas mostra a fronteira de um Brasil antigo com o Brasil moderno. Em Minas, é só atravessar o rio e, do lado de lá, a frequência de casamentos consanguíneos é maior. Essa frequência aumenta mais ainda na Bahia e, espetacularmente, no interior do Nordeste. Então, há um grande gradiente desde o Rio Grande do Sul até o Nordeste, aumentando a frequência de casamentos consanguíneos. Mas, nos últimos anos, essa frequência tem baixado mais ou menos por igual no Brasil inteiro. O número de casamentos consanguíneos no Sul do Brasil se tornou bem menor, assim como no Nordeste, mas que ainda é muito maior que no Sul. Então, o grande gradiente brasileiro continua.

 

José Wille – Quais foram as constatações das consequências disto no interior brasileiro?

 

Newton Freire Maia – Em primeiro lugar, os casamentos consanguíneos aumentam sensivelmente as taxas de mortalidade precoce – abortos e mortalidade infanto-juvenil – que marcávamos sempre até a idade de 20 anos. Quer dizer, casamento consanguíneo, em média, aumenta a mortalidade pré-natal e pós-natal até os 20 anos de idade.

 

José Wille – E há outros problemas que surgem também?

 

Newton Freire Maia – Dentre os que não morrem, verificamos uma incidência maior de anomalias em geral. Nós não podíamos separar o que era genético do que não era. Eram anomalias em geral, defeitos, más-formações congênitas, retardamento mental etc. Verificamos que os casamentos consanguíneos aumentam em média a frequência de anomalias nos filhos. É preciso dizer que aumenta em média, porque, para um casal consanguíneo em particular, não podemos dizer nada.

 

José Wille – É um problema sério, com a desinformação e com o isolamento de algumas comunidades do interior.

 

Newton Freire Maia – Isso, isso! A desinformação é a pior. Porque a tendência dos noivos ou dos casais consanguíneos é achar que o perigo é maior do que a realidade, de acordo com a minha experiência como aconselhador genético. Durante muitos anos, recebi consultas de namorados, noivos e casais que saíam animados do laboratório, dizendo que o perigo era muito menor do que eles pensavam.

 

José Wille – O senhor fazia esse atendimento gratuitamente, como professor?

 

Newton Freire Maia – Era gratuitamente. Essa era a vantagem de se trabalhar para o governo. Porque nós podemos ter a honra, o prazer, a satisfação de trabalhar para o povo. Houve uma vez em que um senhor me perguntou quanto era a consulta e eu disse que não era nada, pois eu era pago pelo governo para atender as pessoas. Ele me disse “É a primeira vez na vida que alguém me faz um favor e não cobra.”.

 

José Wille – Mas trabalhar para o governo também tem seus problemas. O senhor começou ganhando bem quando veio para o Paraná, mas, com o tempo, isso se perdeu.

 

Newton Freire Maia – Em 1951, o salário que eu ganhava da universidade era bom. Tão bom que chegava no final do mês e sobrava dinheiro. E eu já tinha mulher e uma filha. No entanto, três ou quatro anos depois, o salário era ruim, porque não havia aumento e a inflação comeu tudo de bom que havia nele. Dava momentos de tristeza. Eu fui convidado várias vezes para sair de Curitiba e, mesmo nesses momentos, não tinha vontade de sair. Nós gostávamos imensamente – eu, minha mulher e meus filhos – de viver em Curitiba.

 

José Wille – Os convites que o senhor teve para passar períodos fora do Brasil, como nos Estados Unidos, através da Fundação Rockfeller, na década de 50, foram importantes nesse seu trabalho.

 

Newton Freire Maia – Por certo aspecto, foi importante. Por exemplo, trabalhei na Suíça durante um ano, na Organização Mundial de Saúde. Mas fui, fiquei um ano e voltei. O meu contrato dava opção de eu ficar mais um ano, pois podia renová-lo. Eu cumpri o mínimo possível, fiquei um ano e voltei. Depois, voltei para Genebra, para ficar lá um mês. Houve uma vez em que o diretor do serviço do qual eu participava na Organização Mundial de Saúde me convidou para ser chefe do serviço, mas eu não aceitei. Eu queria mesmo era trabalhar na Universidade Federal do Paraná, como cientista e professor.

 

José Wille – A militância política e a adesão ao Partido Socialista Brasileiro, como surgiram em sua vida?

 

Newton Freire Maia – Isso foi muito interessante. Eu estava nos Estados Unidos, com a bolsa da Fundação Rockfeller, e costumava ligar a televisão ou o rádio à noite. Quando eu ia para cama, levava o rádio para melhorar o meu inglês, que era péssimo. Uma vez, ouvi o programa do partido socialista americano, que se chamava Partido Socialista Trabalhista. E eles faziam propaganda do socialismo. E eu pensei em como ainda havia socialistas lutando num país como os Estados Unidos, que resolveu tantos problemas sociais. E como eu, no Brasil, era tão comodista e não ajudava o socialismo a ir para a frente? Então, tomei a decisão de, voltando ao Brasil, entrar para o Partido Socialista e dar minha contribuição. Foi o que aconteceu: quando voltei dos Estados Unidos, entrei para o Partido Socialista e comecei a ajudar no que podia, até 1964.

 

José Wille – O senhor chegou até a ser candidato a deputado federal pelo Partido Socialista.

 

Newton Freire Maia – Nós estávamos no Partido Socialista, certo dia, conversando sobre o lançamento de candidatos. E houve um colega meu que disse “Nós temos aqui um candidato excelente e tal.”. E eu, pensando que se tratava de uma outra pessoa, falava “Muito bem, muito bem, muito bem!”. No fim, a pessoa a quem ele se referia era eu. “Não, eu não posso aceitar. Sou um cientista!”. Dizia ele “Não, senhor, o senhor tem que aceitar.”. “Mas eu não vou fazer propaganda!”. Ele disse “Não precisa fazer.” Falei que não mandaria fazer cédulas – naquele tempo a votação era por cédulas. Ele disse “Não precisa. Nós fazemos!” – “E eu não ajudo com dinheiro.” – “Não precisa. Nós ajudamos.” Então, saí candidato a deputado federal pelo Partido Socialista. Tive uma votação expressivíssima – 420 pessoas! Não sei quem foram as almas caridosas que votaram em mim.

 

José Wille – O senhor continuou na militância e não se candidatou mais?

 

Newton Freire Maia – Eu só desisti em 1964, quando o partido foi fechado.

 

José Wille – Como foi a repercussão disso em sua vida? O senhor chegou a ter problemas na Universidade?

 

Newton Freire Maia – Não, não tive problemas na universidade. Houve ameaças de problemas, pois havia uma comissão para examinar atividades subversivas na universidade. Mas eu não fui enquadrado como subversivo. Lembro até que disse, em um momento de grande coragem, pois eu estava com um medo danado, “Major, se ser socialista é crime, então eu sou criminoso.” E ele respondeu “Não, professor. Ser socialista não é crime. Estamos procurando atividades subversivas.” E descobriram que eu não tinha nenhuma atividade subversiva, apesar de ser socialista.

 

José Wille – Chegou a sair notícia em jornal falando da sua cassação?

 

Newton Freire Maia – Houve. Um jornal local disse que a comissão estava investigando a minha vida e que eu seria cassado e posto para fora da universidade. Eu, então, procurei um coronel e ele disse que a comissão ainda estava investigando a minha vida. E se descobrissem alguma coisa, caçariam a minha cidadania.

 

José Wille – O senhor teve medo de ser afastado das suas funções na universidade?

 

Newton Freire Maia – Tive medo! O salário, nessa época, era muito pequeno. Eu vivia fazendo empréstimos. Tinha medo, porque eu não tinha para onde ir. E eu não queria sair, porque gostava de estar na universidade.

 

José Wille – Como era a sua ficha no DOPS?

 

Newton Freire Maia – Depois que isso tudo acabou, que essa bobagem toda acabou, um amigo meu foi ao DOPS e tirou cópia da minha ficha. E lá dizia que eu era um notório comunista. Mas o Exército brasileiro examinou a minha vida e disse que eu não era um notório comunista, era um socialista, talvez utópico… Sei lá como eles me classificaram.

 

José Wille – O senhor não voltou a ser incomodado, passada essa fase de 1964?

 

Newton Freire Maia – Não fui incomodado mais. Mas, uma vez, me proibiram de ir aos Estados Unidos.

 

José Wille – Mas pela própria Reitoria da Universidade?

 

Newton Freire Maia – O reitor da Universidade, que não era o professor Flávio Suplicy de Lacerda, me proibiu de ir aos Estados Unidos. Eu tinha uma reunião científica lá e meu nome estava no programa. Como eu não fui, houve preocupação sobre o que teria acontecido comigo. Eu costumo dizer que já era o mau nome do Brasil se fazendo lá fora.

 

José Wille – O senhor recebeu o convite e a universidade negou a sua saída?

 

Newton Freire Maia – Eu recebi mais do que isso! Eles me mandaram as passagens, estava com elas na mão! Era uma das reuniões mais importantes do mundo em uma cidadezinha perto de Nova Iorque. Mas a Reitoria da Universidade me proibiu de ir. Não foi o Exército brasileiro, foi a Reitoria que proibiu!

 

José Wille – Até quando o senhor continuou mantendo essa fé no socialismo, com participação e de militância?

 

Newton Freire Maia – Até 1964, quando o partido foi fechado. Como um socialista, eu acho que o mundo ainda vai ser socialista. Mas também acho que o mundo ainda não está preparado para isso. O mundo está preparado para esse capitalismo que existe por aí.

 

José Wille – Como o senhor interpreta essas mudanças que acontecem no leste europeu e nos outros países socialistas?

 

Newton Freire Maia – Isso é prova de que o mundo não está preparado para o socialismo. Se bem que eu não apoiava o socialismo que havia na União Soviética, para onde tive o prazer de ir duas vezes. Gostei imensamente de lá, fui muito bem-tratado. Mas não é aquele socialismo que espero que venha a existir ainda daqui a alguns milhares de anos.

 

José Wille – Quando o senhor conheceu a União Soviética, foi uma decepção?

 

Newton Freire Maia – Não, não foi uma decepção, porque eu sabia que aquele não era o socialismo com que eu sonhava. Então, gostei muito, achei muito bom, muito bonito. Mas, também, na primeira vez em que estive lá, foi por oito ou dez dias; na segunda vez, fiquei por três dias.

 

José Wille – O senhor era ateu. Era um cientista e não acreditava em Deus. Como foi essa mudança de pensamento, que aconteceu por volta de 1980?

 

Newton Freire Maia – Houve uma época da minha vida em que eu era um ateu feliz. Estava satisfeito com meu ateísmo. Mas, com o tempo, não sei por que, fui mudando e passei a ser um ateu infeliz. Um ateu à procura de Deus. Numa época em que eu lia muito, inclusive livros religiosos, aproximei-me da religião, através de um padre franciscano. Tive uma conversa com ele e a religião que ele me permitiu foi uma religião tal que eu pude aceitá-la.

 

José Wille – Ao escrever o livro “Deus, o Acaso e a Necessidade”, que mensagem o senhor queria passar?

 

Newton Freire Maia – Quando me tornei católico, fiquei tocado pelo fato de que as pessoas religiosas, muitas vezes, não aceitavam as teorias científicas. Religião é uma coisa e Ciência é outra. A religião aborda os problemas sobrenaturais e a ciência aborda os fatos naturais. Então, não pode haver oposição entre uma e outra. O que é da ciência é da ciência. E o que é da religião é da religião.

 

José Wille – E a contradição que muita gente aponta de que a ciência contraria as crenças religiosas?

 

Newton Freire Maia – Essa opinião é baseada em uma falácia muito grande. A religião não pode opinar sobre problemas naturais. Por que surgiu o mundo? Foi Deus quem criou o mundo? Essa é uma opinião religiosa. Como surgiu o mundo? Como surgiram os seres vivos? Isto é uma opinião científica. As razões devem ser buscadas na religião, mas os “comos”, as maneiras, devemos procurá-los na ciência. E esse livro diz que a teoria mais aceita é a teoria da evolução.  Não houve criação de animais por sua espécie, uma por uma, e não houve criação do homem e da mulher tal como a Bíblia conta. São lendas, mitos, que foram redigidos há mais de dois mil anos e que não representam o que a ciência moderna diz. E isso significa que a ciência moderna está com a verdade? Não, a ciência não trata da verdade. A verdade é um problema que não entra na ciência. A ciência aceita o que é verossímil, o que parece verdadeiro. A teoria da evolução é uma teoria altamente corroborada, altamente verossímil e nós a aceitamos. Será verdade? Eu acho que sim, mas a verdade não é um problema científico, mas sim filosófico e religioso.

 

José Wille – Essa mudança de visão, deixando de ser ateu e se tornando religioso: como isso foi recebido dentro do seu meio de convivência?

 

Newton Freire Maia – Eu soube que houve pessoas que disseram que eu estava gagá, ficando velho, mas uma coisa importante é que, ao me tornar religioso, não tive que deixar nenhuma teoria científica de lado. A religião não me obrigou a isso. A origem do universo, a origem dos seres vivos, a origem do homem e da mulher, aceito-as de acordo com a ciência. E alguém disse “Mas a religião não ensina isso!” A religião não pode, realmente, ensinar sobre isso, porque isso é problema científico. O Papa João Paulo II já declarou, várias vezes, que a ciência é útil à religião. Foi a ciência que desembaraçou a religião das superstições que ela foi acumulando ao longo do tempo. Toda a religião, inclusive o cristianismo, ao longo do tempo vai acumulando superstições. A ciência moderna diz quais devemos deixar de lado – por que não são religiosas, são científicas – e quais as superstições que ainda prevalecem, mas não por conta da ciência. Por exemplo, a teoria da evolução é uma teoria científica, apesar de a Bíblia contar uma história diferente.

 

José Wille – O senhor está trabalhando em um segundo livro ainda dentro deste assunto?

 

Newton Freire Maia – Eu estou agora escrevendo um livro que se chama “Ciência, Verdade e Religião”. Infelizmente, sobre verdade tem pouca coisa. Sabe-se pouco sobre verdade. Sobre religião e ciência, tem muita coisa.

 

José Wille – Professor, depois dos casamentos consanguíneos, na sequência do seu trabalho, veio a fase de estudo das displasias ectodérmicas. Vamos explicar a importância disto?

 

Newton Freire Maia – Eu sou cientista há 51 anos, de maneira que eu estudei muita coisa nesse tempo todo. E uma das que eu considero realmente importante foi o meu trabalho sobre displasias ectodérmicas, que eu estudo desde 1970, aproximadamente. Na década de 60, em Maringá, foi descoberta uma família que tinha várias crianças com um problema muito sério de membros: não tinham mãos, não tinham pés e tinham outros problemas. Eu gastei um ano para estudar essa família e, em 1969, escrevi um trabalho e mandei para um amigo meu nos Estados Unidos, para que o revisse e melhorasse o inglês. Ele melhorou o inglês e, então, publicou meu trabalho. Mas qual não foi a minha surpresa quando ele colocou, no título do trabalho, a expressão “displasia ectodérmica”! E eu, então, publiquei um trabalho sobre displasia ectodérmica sem saber o que era isso. Nessa época, eu fui com a família para Genebra, na Suíça, trabalhar na Organização Mundial da Saúde. E, felizmente, o nosso trabalho não era muito, não tomava o dia inteiro. Então, nas horas de folga, eu ia para a biblioteca da OMS. Examinando a magnífica biblioteca, descobri que não havia uma definição de displasia ectodérmica. E mais: descobri que na literatura médica havia muitas anomalias, condições, afecções, que tinham todo o jeito de serem displasias ectodérmicas, mas que não eram classificadas como tal – simplesmente porque não havia uma definição de displasia ectodérmica. Verifiquei que faltava essa definição, bem como uma classificação das displasias ectodérmicas. Em 1970, publiquei, na Dinamarca, um trabalho muito pequeno, com três paginas somente, propondo uma definição e uma classificação para elas, apresentando cerca de 30 que eu havia descrito e cerca de 29 que outros tinham descrito. Depois, publiquei na Itália um outro trabalho em que o número das displasias passava de 50. Quando voltei ao Brasil, passei a trabalhar com displasias ectodérmicas e tive a sorte de ter uma ex-aluna, Marta Pinheiro, que fez mestrado aqui no Paraná e doutorado na USP sobre o mesmo assunto. Então, uns anos depois, eu e ela publicamos um livro nos Estados Unidos sobre displasias ectodérmicas. Eu costumo dizer que o nosso livro é o melhor, porque é o único. Eu considero esse meu trabalho muito importante. No último trabalho que publiquei com Marta Pinheiro, nos Estados Unidos, chega-se perto de 160 displasias ectodérmicas descritas. É um trabalho que é citado no mundo inteiro, como referência neste assunto, aceitando-se a minha definição e a minha classificação.

 

José Wille – Professor, a discussão na genética hoje é bastante grande, com as novidades que surgem, como a engenharia genética e a clonagem. Como o senhor vê as perspectivas da genética? E o aspecto ético da utilização da genética?

 

Newton Freire Maia – Eu vejo todo esse problema com a maior simpatia e com o maior entusiasmo. Não vejo motivo para temer o problema dos clones, porque o clone faz uma repetição genética, não uma repetição ambiental. E o ambiente social, intelectual, escolar, familiar, tudo isso é extraordinariamente importante para formar a personalidade do homem. Costumo dizer que, se fizerem um clone do Pelé, pode sair um grande cientista. E se fizerem um clone do Einstein… –  ele já morreu, então não vai ser possível fazê-lo… – mas, se fosse possível, poderia sair um grande jogador de futebol.

 

José Wille – O senhor acha que há uma base ambiental, as circunstâncias que pesam em torno da pessoa e que são fundamentais?

 

Newton Freire Maia – Isso é importantíssimo! Tão importante que os gêmeos monozigóticos, chamados gêmeos iguais, que são duas crianças nascendo mais ou menos na mesma hora, com os mesmos fatores genéticos, são duas crianças diferentes.

 

José Wille – E a manipulação genética, com a qual as pessoas poderiam, no futuro, definir os traços genéticos dos filhos, assim como hoje se pensa em cirurgia plástica?

 

Newton Freire Maia – Isso poderia ser feito num futuro longínquo. A genética demora muito tempo para isso. É mais fácil mudar um nariz ou mudar uma orelha, fazendo cirurgia plástica, do que querer mudá-los em um filho através da manipulação genética.

 

José Wille – Como o senhor vê toda ficção que surge em torno da genética – por exemplo, a criação de espécies que serviriam só para o trabalho e não para o raciocínio?

 

Newton Freire Maia – Na época de Hitler – época horrorosa na história da humanidade – temia-se uma clonagem, porque se poderia fazer um exército de clones. Não é possível fazer isso. Primeiro, porque teria que se esperar cerca de 20 anos para fazer um exército, pois o clone também nasce pequenininho. Depois, é preciso dar um ambiente militarizante muito especial para essas pessoas que se planeja sejam soldados no futuro. Nunca se conseguirá isso, nunca!

 

José Wille – Vai ser necessário se tratar dos limites éticos para a clonagem e para a engenharia genética no futuro?

 

Newton Freire Maia – Acho muito importante. Eu, por exemplo, sou contra o aborto provocado, que está sendo praticado no mundo inteiro, em todos os países pagãos e cristãos, inclusive no Brasil, que é um país católico. Por questões éticas, sou contra o aborto provocado. E também sou contra a clonagem do ser humano. O ser humano é sagrado, pela sua qualidade intelectual, e não deve ser tocado.

 

José Wille – Mas o senhor reconhece que é muito difícil um controle sobre o que se desenvolve clandestinamente nos laboratórios?

 

Newton Freire Maia – Muito difícil. E o controle desses laboratórios passou, em grande escala, da mão dos governos para a mão dos particulares, de maneira que quem faz pesquisa hoje para produzir medicamentos são os laboratórios particulares, que gastam uma fortuna e, por isso mesmo, os medicamentos são caros.

 

José Wille – A genética entra, inclusive, na psiquiatria. Quais são as consequências e os problemas psiquiátricos que surgem em função da genética?

 

Newton Freire Maia – A genética surgiu como genética vegetal. Logo depois, surgiu a genética animal. Uns 20 anos depois, surgiu a genética humana e, dentro dela, a genética médica. Hoje, existe uma genética psiquiátrica. Há muitos geneticistas psiquiatras no mundo que estudam a genética das perturbações mentais. A psicose maníaco-depressiva, a esquizofrenia, o problema do retardamento mental, tudo isto está sendo estudado dentro da genética psiquiátrica.

 

José Wille – O senhor também teve um estudo desenvolvido sobre as alterações genéticas em médicos que trabalham em áreas de uso de raios-X.

 

Newton Freire Maia – Eu e dois colaboradores trabalhamos durante algum tempo, comparando a descendência de pediatras e de radiologistas. Verificamos, depois de alguns anos de trabalho, que nas famílias dos radiologistas havia mais abortos que nas famílias dos pediatras. Houve outras coisas, mas a explicação desse fato pode ser devido à radiação que os radiologistas recebem em maior grau que os pediatras.

 

José Wille – Ainda dentro da genética, o senhor tem estudos sobre o Brasil como um laboratório racial. O que vai significar para o Brasil, a longo prazo, essa grande mistura de raças?

 

Newton Freire Maia – Isso é uma coisa favorável sobre o ponto de vista de genética. Um povo bem misturado, como é o brasileiro, deve ter menos mortalidade precoce e menos anomalias por causas genéticas do que um povo homogêneo, como, por exemplo, o dinamarquês.

 

José Wille – Essa mistura genética cria maior resistência.

 

Newton Freire Maia – A mistura genética é boa, mas pode não ser boa sob outros aspectos – do ponto de vista sociológico, por exemplo. Como não entendo do assunto… Mas, sob o ponto de vista genético, a mistura racial é boa. A tendência das populações, em geral, é formar o que se chama isolados – grupos humanos mais ou menos isolados. Nesses grupos, a frequência de anomalias genéticas, devido aos chamados fatores genéticos recessivos, é maior do que nas populações misturadas. Quando duas populações se misturam, a frequência de anomalias genéticas baixa mais nas populações misturadas em relação às populações isoladas.

 

José Wille – O senhor disse que já fez aconselhamento genético. Até onde deve existir essa preocupação nos casamentos com o levantamento dos problemas familiares e das consequências que os filhos podem sofrer?

 

Newton Freire Maia – Eu acho que o aconselhamento genético é muito útil, pois pode resolver problemas não-genéticos. Por exemplo, quando uma pessoa suspeita que algo que apareceu em sua família é genético, procura o aconselhamento genético para saber. E houve pelo menos uma vez, na minha experiência de aconselhador genético, em que o consulente estava preocupado com um problema que não era genético, não tinha influência genética. E saiu satisfeito, porque pensava que o problema era genético.

 

José Wille – O senhor tem uma filha com expressão nacional como atriz, a Fátima Freire, que nasceu em Curitiba e saiu daqui, no final de 1973, para se dedicar ao teatro e ao trabalho em novelas na televisão. Como foi isso em uma casa que se falava muito em genética?

 

Newton Freire Maia – Isso prova que os fatores genéticos não são todo-poderosos. O ambiente é muito importante. E agora minha neta, também, está fazendo teatro em Curitiba. Essa minha filha sempre manifestou, desde pequenininha, a vontade de aparecer, cantar etc. E, no início da década de 70, resolveu ir para o Rio tentar a vida.

 

José Wille – Ela começou aqui mesmo, na televisão, participando de programas e de teatro?

 

Newton Freire Maia – Começou aqui, no antigo Canal 12, que foi a primeira televisão do Paraná. Depois, foi para o Rio. Lá, fez muitas novelas na Globo; depois, passou a fazer novelas em outros lugares, inclusive em produtoras independentes; e tem feito, ultimamente, mais teatro. Há poucos dias, esteve aqui fazendo teatro. Para mim, é uma grande alegria, porque ela se realiza fazendo teatro como eu me realizei fazendo ciência. Aceitei muito bem. E estou muito orgulhoso dela!

 

José Wille – Professor, o senhor teve participação nacional através da Sociedade Brasileira para a Proteção da Ciência (SBPC). Na sua visão, a ciência brasileira tem avançado, mesmo com tantas dificuldades?

 

Newton Freire Maia – Comecei minha vida científica antes da SBPC. De maneira que, quando ela surgiu, já entrei como sócio dela, em 1948. O aparecimento do CNPQ, primeira instituição do governo a patrocinar pesquisa, se deu em 1951, quando vim para Curitiba. A ciência brasileira tem se desenvolvido muito durante esses 50 anos de existência do CNPQ e do SBPC. Tive a honra de ter sido vice-presidente do SBPC. E, hoje, sou presidente de honra da SBPC.

 

José Wille – Como o senhor acompanha, hoje, a universidade brasileira? Como é a realidade que o senhor vê, ainda estando lá presente, convivendo no ambiente universitário?

 

Newton Freire Maia – O fato de a gente ser velho faz com que seja espectador da história ou, talvez, ator da história… A universidade brasileira tem se desenvolvido extraordinariamente nos últimos 50 anos. Não é a mesma que conheci. É uma universidade relativamente bem desenvolvida. Mas é claro que, sob o ponto de vista de pesquisa, ainda é uma universidade de Terceiro Mundo. Não se pode compará-la, de forma alguma, às universidades inglesas, francesas, alemãs, americanas, italianas…

 

José Wille – Esquecida pelo governo, em relação ao estímulo, o salário do professor, o quadro geral?

 

Newton Freire Maia – Eu não diria esquecida pelo governo, mas acho que o governo poderia tratar melhor as universidades, principalmente as estaduais e as federais. Porém, quando se fala em universidades brasileiras, não se pode esquecer de São Paulo. São Paulo é o maior polo econômico do Brasil. E também o maior polo cultural e científico. A USP é, certamente, a maior universidade brasileira. E as universidades estaduais paulistas são também de muito boa categoria. Em geral, melhores que as universidades federais. Mas existem algumas universidades federais de grande categoria. O lugar onde se faz mais pesquisa no Brasil é, certamente, nas universidades. Quando falha ou é diminuído o apoio do governo, é claro que isso afeta a pesquisa.

 

José Wille – A SBPC tem feito diversas campanhas pelos meios de comunicação, mostrando a importância da pesquisa e do ensino para o desenvolvimento do país. Mas parece que essa conscientização é algo para um longo prazo.

 

Newton Freire Maia – Até certo ponto, sim. Isso porque o país, sendo de Terceiro Mundo, não está ainda consciente de que a educação e a ciência são coisas em que se investe. Faz-se o investimento agora e obtém-se o resultado no futuro. Ainda se pensa que é despesa. Não é despesa, é investimento!

 

José Wille – Por que a sua decisão de escrever uma autobiografia?

 

Newton Freire Maia – Eu conto exatamente todos os meus equívocos, os meus erros, tudo isso… E as minhas viagens erradas e como eu pude me tornar cientista, indo para um lugar onde eu podia seguir esta carreira.

 

José Wille – Como o senhor define esse caminho que o senhor tomou e ao qual dedicou a sua vida?

 

Newton Freire Maia – Sob certo aspecto, é isso, porque os salários relativamente são baixos. Quem vai ser cientista pensando em viver bem não deve ser cientista. A ciência pede amor, dedicação, sacrifício… E houve sacrifício, muitas vezes, de minha parte. Não agora, porque estou aposentado. O salário não é muito bom, mas dá para viver.

 

José Wille – É vocação, realmente?

 

Newton Freire Maia – É vocação! Fazer ciência é uma vocação, como fazer poesia…

 

José Wille – Por que, mesmo depois de tanto tempo de aposentadoria, o senhor vai a universidade todos os dias? O senhor não conseguiria se afastar do seu laboratório?

 

Newton Freire Maia – Eu acho importante estar lá, porque a pessoa, quando envelhece, muda. O meu interesse maior, nos últimos dois anos, não é a ciência. É a filosofia da ciência. E eu sinto hoje que tenho muito mais interesse pelas crianças, pelos jovens e pela religião, obviamente. Eu trato hoje muito melhor os jovens da universidade do que há dez, vinte, trinta, quarenta anos… Primeiro, eu deixo a minha porta aberta, os jovens entram lá para falar comigo e eu tenho tempo para conversar com eles. Antigamente, eu não tinha tempo e a minha porta estava sempre fechada. E, para mim, é um prazer, uma honra que os moços entrem para conversar comigo.

 

 

 

 

 

 

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