Memória das Cidades

São José dos Pinhais nos anos 1920, no relato de Leopoldo Scherner

Leopoldo Scherner, falecido aos 91 anos, dividiu a vida entre a poesia e a vida acadêmica. Com a poesia ganhou uma cadeira na Academia Paranaense de Letras. E como professor participou da criação da Universidade Católica do Paraná. Da Assembleia Legislativa do Paraná, ganhou o título de Cidadão Benemérito, em 1997. Esta entrevista foi gravada em julho de 1998. E em breve estará completa na coleção de livros Memória Paranaense.

 

 

José Wille – O senhor nasceu em São José dos Pinhais, em 1919. Seus pais eram filhos de imigrantes?

Leopoldo Scherner – Sim, meu pai era filho de alemães e minha mãe, filha de italianos do norte da Itália, da região de Trento, mais precisamente da Fiera de Primiero, e da aldeia que se chama Mezzano. Esses imigrantes, exatamente há 120 anos, foram para a colônia que se chamou Novo Tirol, e depois minha mãe veio para São José dos Pinhais. Meu pai, de Santa Catarina, também veio para São José dos Pinhais. Ali, se encontraram e se casaram.

José Wille – Como foi sua infância em São José dos Pinhais, na década de 20?

Leopoldo Scherner – Foi lindo! São José dos Pinhais era uma vila muito tranquila, muito pacífica. Eu me lembro, por exemplo, que se jantava muito cedo, e às 6 horas da tarde, antes do sol se pôr, as crianças brincavam em frente de casa e, quando anoitecia, entrávamos e, praticamente, sei lá se às 7 ou 8 horas, já íamos para a cama. Era tudo muito tranquilo.

José Wille – Era uma infância mais livre, com a possibilidade de estar na rua, no campo…

Leopoldo Scherner – De soltar papagaio, de brincar no campo etc. Morávamos não exatamente no centro, onde hoje está a pracinha da Igreja, mas ali perto. Então, em frente à nossa casa, ainda havia campo, poucas casas e havia a possibilidade de as crianças terem uma vida muito livre. E ia-se para a escola também  – importante comentar. Eu e todos os meus irmãos estudávamos no Colégio das Irmãs da Divina Providência. Estudávamos em dois turnos – veja como era a escola primária naquele tempo – íamos de manhã e voltávamos para almoçar em casa e depois voltávamos para a escola até as 4 horas ou 5 horas. Foi uma época em que as coisas eram levadas muito a sério. O estudo era levado a sério.

José Wille – Também Curitiba, na década de 20, era uma cidade muito tranquila.

Leopoldo Scherner – Bem pequena. De São José para cá, as conduções eram raras. Curitiba era uma cidade muito pequena, muito pacífica e muito tranquila.

José Wille –Existia já um ônibus que fazia a ligação?

Leopoldo Scherner – Sim, sim! No meu tempo de criança, havia uma linha de ônibus que saía de manhã e voltava à tarde. Isso, lá pelos anos 20, ainda era assim. Depois, naturalmente, a coisa se desenvolveu, é claro.

José Wille – Como era o cotidiano em Curitiba, a imagem da cidade?

Leopoldo Scherner – Morando em São José dos Pinhais, raramente a gente vinha para Curitiba. Mas tenho uma lembrança muito interessante da minha infância. Eu devia ter 8 ou 9 anos e meu pai era empreiteiro do Estado. Não era engenheiro, mas era construtor de pontes. E tenho essa recordação: toda vez que passo na antiga Secretaria da Fazenda, que agora está sendo, por sinal, restaurada e que pertence à Secretaria da Cultura, lembro muito bem que eu, em criança, às vezes, vinha ali com meu pai. E para mim é uma lembrança muito gostosa. Toda vez que lembro, digo sempre às minhas filhas: “Olha, eu, em criança, passei algumas vezes por aqui com meu pai”.

José Wille – E a ida para ao seminário na cidade de Rio Negro?

Leopoldo Scherner – Um frade esteve em São José dos Pinhais, me viu na igreja – minha família era muitíssimo católica – e me convidou. Daí, surgiu esse interesse. Meus pais acharam que seria possível eu ir para lá, e lá fui eu. Quer dizer, eu não sei se a vocação surgiu daí. Essas coisas eu não sei explicar como vão surgindo. Lá em Rio Negro, eu fiquei e fiz o correspondente ao ginásio.

José Wille – Neste seminário em Rio Negro, nas décadas de 20 e 30, como era o rigor interno?

Leopoldo Scherner – Totalmente fechado. Contato com as pessoas de fora era muito raro – só quando todo o grupo saísse, naturalmente. Visitas, que eu lembre, nunca foram proibidas. E mesmo as férias a gente passava no próprio colégio. Chamava-se Colégio Seráfico São Luiz de Toroza. Os padres eram franciscanos e a maioria deles tinha vindo da Alemanha. Portanto, era uma formação bastante rigorosa – e, com certeza, ainda é bastante, digamos assim, europeia. Evidentemente, eles tinham preocupação com a adaptação, com os costumes e com a cultura brasileira. Como eu disse, as visitas eram livres e, evidentemente, eram por parte das pessoas da família. Tínhamos raríssimas férias em casa.

José Wille – Como foi a sua desistência da carreira religiosa, por volta dos 20 anos?

Leopoldo Scherner – Eu achei que não era minha vocação. Escrevi para casa, falei com os superiores e deixei o seminário.

José Wille – O que levou o senhor até o Rio de Janeiro, onde concluiu seus estudos e cursou Filosofia?

Leopoldo Scherner – Nessas alturas, eu já estava no Rio de Janeiro, em Petrópolis. Entrei para o Colégio Pedro II, que, naquele tempo, era o Grande Colégio Pedro II. Eu tenho lembranças de alguns professores famosos e autores de livros conhecidos. Por exemplo, Antenor Nascentes foi meu primeiro professor, um grande filólogo, autor de dicionário; Cecil Thiré, que era professor de matemática; Mello e Souza, que tinha o pseudônimo de Malba Tahan, cujos livros ainda estão por aí, relatando, contando histórias sobre assuntos matemáticos e que ainda hoje são muito interessantes. O Colégio Pedro II era um colégio muitíssimo especial, só havia o internato e o externato. Por sinal, havia um problema, porque ficava em uma rua por onde passava bonde e havia muito ruído, mas era um colégio de grande destaque. O professor do Pedro II era um professor de grande conhecimento, pois havia um grande rigor para ser professor. Manuel Bandeira, por exemplo, foi professor do Pedro II durante algum tempo.

José Wille – E por lá, também, o senhor cursou a Faculdade de Filosofia, na década de 40.

Leopoldo Scherner – No Rio de Janeiro, fiz na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil – esse era o nome que tinha – a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que tinha sido fundada há não muito tempo e era uma instituição, naturalmente, oficial. Eles, nessa ocasião, convidaram pessoas já bastante conhecidas, bastante respeitáveis e consideradas no mundo das letras, no mundo das ciências etc. Tive a grande sorte, foi muita felicidade minha, de estar no Rio de Janeiro, de entrar para a faculdade exatamente nesta época, porque lá eu tive professores como Manuel Bandeira. E eu sou o único paranaense – e tenho grande orgulho disso – que, em nível de ensino superior, foi aluno de Manuel Bandeira.

 

 

 

 

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