Biografias

Os turbulentos anos 1960 no relato de Léo de Almeida Neves

 

Economista formado pela Faculdade de Ciências Econômicas do Paraná em 1953 e advogado pela Faculdade de Direito da Universidade do Paraná em 1954, Léo de Almeida Neves exerceu o jornalismo no “Diário do Paraná”.

Sua carreira como escritor valeu-lhe a cadeira 26 da Academia Paranaense de Letras. Entre seus livros, destacam-se “Vivência dos Fatos Históricos”, “Destino do Brasil: Potência Mundial: A Era Vargas Continua” e “Segredos da Ditadura de 64”, nos quais narra os fatos históricos de que participou em sua trajetória política. Entrevista gravada em dezembro de 1997.

 

 

 

 

José Wille – O senhor nasceu em 1932, em Ponta Grossa…

 

Léo de Almeida Neves – Exatamente! Na Capital Cívica do Paraná, assim denominada por Getúlio Vargas na Revolução de 1930, em um comício com uma grande presença popular, quando ele sediou suas tropas revolucionárias vindas do Rio Grande do Sul. Até hoje, os pontagrossenses se orgulham muito dessa denominação.

 

José Wille – A ligação com Getúlio Vargas já vem de família, que vinha do Rio Grande do Sul?

 

Léo de Almeida Neves – Na verdade, meu pai é gaúcho, pois meu avô tinha vindo do Rio Grande do Sul, na década de 20, com os filhos, um pouco em decorrência daquelas guerras civis que se travavam na região. E se instalou em Ponta Grossa como fazendeiro, dedicando-se à pecuária na região. Meu tataravô tinha sido deputado provincial no Rio Grande do Sul, mas, nessa ocasião, não havia vínculo nenhum com Getúlio. Mas Danton Neves Coelho, uma figura importante da política, que foi ministro do Trabalho de Getúlio e muito amigo dele, era primo-irmão do meu pai, ou seja, meu primo em segundo grau. Minha mãe era de Ponta Grossa, de família tradicional de fazendeiros, a família Almeida. O avô da minha mãe veio da Alemanha e o filho dele acabou sendo vereador e presidente da Câmara Municipal de Ponta Grossa. Então, sou filho de gaúcho, por parte de pai, e pontagrossense, por parte de mãe.

 

José Wille – Como aconteceu sua ligação com o PTB, aos 16 anos?

 

Léo de Almeida Neves – Eu já tinha um interesse pela política, resultante de vários fatores. Primeiro, a Segunda Guerra Mundial, que eclodiu no dia 1° de setembro de 1939. Eu tinha 7 anos na época e aprendi a ler acompanhando a guerra. O meu quarto, ainda em Ipiranga, perto de Ponta Grossa, era uma verdadeira chefia de estado-maior, pois tinha mapa das operações, e eu acompanhava tudo. Eu era a favor da tese dos aliados  Estados Unidos, Inglaterra e França. Eu defendia a democracia e o meu avô também era a favor dos aliados. Meu pai era germanófilo, defendia a Alemanha, mas me dava liberdade para pensar diferente. Então, na minha casa, fazia-se democracia desde criança. Com isso, fui pegando gosto para as coisas públicas, coisas de política.

A época em que eu era jovem era de muito civismo. No grupo escolar Júlio Teodori, onde eu estudava em Ponta Grossa, tinha um jornal e nele eu escrevia meus artigos, na Semana da Pátria. Quando se fazia a escolha da rainha da primavera, fui primeiro-ministro. Em uma solenidade daquelas, fiz o discurso. E em toda grande data nacional cívica, seja Semana da Pátria, Tiradentes, Dia da Criança, as crianças desfilavam. Então, a gente aprendia a marchar, desfilar… Havia muito civismo naquela ocasião. Cantava-se o Hino Nacional antes da aula começar. E aprendiam-se também, na época, o Hino da Independência e o Hino da Bandeira.

Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas foi deposto, em 29 de outubro de 1945, e eu e meu pai éramos getulistas. Eu ainda era bem jovem, tinha 13 anos. Com a redemocratização, a juventude da época voltou-se muito para a política, principalmente a do meio universitário. Era uma grande polêmica: alguns a favor de Getúlio e outros contra, porque ele foi um grande estadista, que gerou grandes admiradores, fanáticos até, e também muitos ódios, decorrentes da extinção no Brasil do Partido Nazista.

O Brasil foi o primeiro país que enfrentou Hitler, expulsando do Brasil o embaixador alemão, que se opunha ao fechamento do Partido Nazista. Getúlio Vargas foi alvo da Intentona Comunista, de 1935, da Aliança Nacional Libertadora, chefiada por Luiz Carlos Prestes. Com isso, os comunistas, que, obviamente, foram presos e sofreram privações de liberdade e outras perseguições, tinham muita raiva de Getúlio. Depois, houve os integralistas, de Plínio Salgado, que tinham linha ideológica a favor da Alemanha – o Nazismo – e da Itália – o Fascismo.

No Putsch, em 1938, os integralistas assaltaram o Palácio da Guanabara, onde estavam o Getúlio, a filha e a família. O próprio Vargas e a Alzira trocaram tiros com os integralistas, que, por muito pouco, não adentraram o palácio. Morreram, nessa ocasião, mais de 100 pessoas, até que uma partição militar chegasse para defender o palácio. Então, todos os integralistas eram também antigetulistas, assim como todos aqueles que eram parlamentares em 10 de dezembro de 1937, quando foi decretado o Estado Novo. Então, havia um antigetulismo muito forte, bem como um getulismo muito acentuado.

Em 1948, eu já morava em Curitiba. Depois de estudar no Regente Feijó, em Ponta Grossa, vim para estudar no Colégio Estadual do Paraná. Na ocasião, eu morava na praça Tiradentes, em uma pensão. Na sede do PTB, a famosa Sede das Goteiras, eles estavam comemorando o 29 de outubro  a queda de Getúlio. A polícia, naquela ocasião, combatia muito os trabalhistas. Eu vi aquele movimento da janela da minha pensão e fui lá assistir. Acabei pedindo a palavra, fiz um discurso e já me convidaram para participar da juventude trabalhista. Então, eu já era militante político bem garoto, com 16 anos.

 

José Wille – Seu pai estimulava essa participação?

 

Léo de Almeida Neves – Sim, meu pai era um democrata. Estimulava e aceitava inclusive que eu tivesse ideias contrárias às dele.

 

José Wille – O senhor começou o curso de Direito na Universidade Federal do Paraná, em 1954. Ao mesmo tempo, dedicava-se ao jornalismo: primeiro, engajado no PTB, como trabalhista; mais tarde, no “Diário do Paraná”.

 

Léo de Almeida Neves – Foi isso mesmo. Nós tínhamos um jornal que professava os ideais trabalhistas, isso já em 1949. Foi meu primeiro artigo em jornal nessa época, com 17 anos. Depois, eu mesmo fui sócio-gerente de um jornal, de uma revista-jornal, chamada “O PTB – O Petebista”. Mais tarde, fui redator-chefe do “Jornal dos Trabalhadores”, “Jornal dos Comerciários”, “Jornal Trabalhista A Marcha”…

Tive um programa de rádio por 7 anos na PRB2 e na rádio Cultura, chamado “O PTB em Marcha”. Em 1955, com a fundação do “Diário do Paraná”, dos Diários Associados, fui trabalhar lá, primeiro com o Antônio Brunetti e, depois, com Airton Batista como redator-chefe. Eu tive a ocasião, inclusive, de ser eleito, na gestão do Freitas Neto, como secretário do Sindicato dos Jornalistas. Estive no jornalismo até praticamente 1961, quando assumi a Carteira Agrícola Industrial do Banco Brasil.

 

José Wille – O senhor tinha proximidade também com o senador Souza Naves. Foi importante para o seu início de vida pública?

 

Léo de Almeida Neves – Na verdade, foi muito importante. O Souza Naves era presidente do PTB no Paraná. Era mineiro, funcionário do antigo IAPC (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários) e trabalhou na “Gazeta do Povo”. E eu também era da “Gazeta do Povo”. Ele era um homem muito atilado, muito inteligente e bom político, e eu me liguei muito a ele.

Em 1951, o Bento Munhoz da Rocha Neto era o governador do Paraná, eleito no governo de Getúlio. Ele criou a Secretaria do Trabalho, escolhendo Souza Naves para ser seu primeiro secretário. Então, o Souza Naves me convidou para participar do gabinete. Tinha 19 anos e já estava atuando na parte social, cuidava dos menores abandonados  que, na época, eram poucos  e de assistência pessoal para a miséria  na época, muito menor. A gente se aproximou bastante do Souza Naves, que, depois, ocupou outros cargos, como presidente do IPASE, presidente da Caixa Econômica Federal e, depois, no governo de Kubitschek, diretor da CREAI – Carteira de Crédito Agrícola Industrial do Banco do Brasil

 

José Wille – Por que o senhor acredita que a morte do senador Souza Naves mudou a história política do Paraná?

 

Léo de Almeida Neves – Porque, em função do bom trabalho de Souza Naves em todos esses cargos, ele também era um cidadão que percorria todo o Paraná, participava da problemática de todos os municípios, o que fortaleceu seu prestígio. Era um homem muito forte politicamente. Em 1958, ele se candidatou a senador e teve uma votação estrondosa, uma vitória retumbante! Teve mais que o dobro dos votos dos adversários, que eram um candidato do PSD e outro da UDN. Ele era tido como imbatível para o governo. Assumiu o Senado e foi autor da chamada Lei do Café-Geada.

O Norte do Paraná tinha sofrido uma geada devastadora, em 1953 a 1955. Os efeitos ainda se prolongavam e o pessoal estava endividado. Então, o Souza Naves fez uma lei dando prorrogação de prazo, que foi aprovada. O Paraná era muito forte na agricultura, sendo o café a maior riqueza do estado. Ele era um político muito inteligente e se aproximou do Jânio Quadros, que era governador de São Paulo e vinha fazendo uma carreira política meteórica. Ele foi eleito vereador, prefeito de São Paulo, governador de São Paulo, isso tudo em menos de 6 anos.

Naquela época, não tinha reeleição, que nunca foi da tradição política brasileira. Então, o Jânio ia sair do governo de São Paulo, em 1959, e a eleição para a presidência da República era somente em 1960. Ele iria ficar no vazio, sem mandato. Então, o Souza Naves convidou-o para ser candidato a deputado federal pelo PTB do Paraná. O Jânio aceitou, desde que não houvesse restrições de ordem jurídica. Então, nós mesmos do PTB  eu era secretário-geral na época  providenciamos que outro partido fizesse o recurso contra o registro da candidatura do Jânio.

O Tribunal Regional Eleitoral respeitou a candidatura. Houve um recurso contra a decisão do TRE, que foi para o Tribunal Superior Eleitoral, no Rio de Janeiro, e transitou em julgado. E Jânio veio, então, a ser candidato a deputado federal pelo PTB do Paraná e foi o mais votado do estado. Na mesma eleição, em 1958, na sucessão de Ney Braga na prefeitura de Curitiba, nós elegemos o general Iberê de Matos para prefeito.

Fui inclusive secretário particular dele na prefeitura, quando assumiu. Então, em 1958, foram três grandes vitórias: derrotamos o Ney Braga em Curitiba, elegendo o general Iberê; elegemos o deputado federal mais votado do Paraná, na pessoa do Jânio Quadros, que conseguiu ser governador de São Paulo e deputado ao mesmo tempo, sem deixar o mandato; e elegemos o Souza Naves e uma grande bancada de deputados estaduais e federais.

 

José Wille – Souza Naves poderia ser o candidato eleito em 1960, mas a morte dele abriu espaço para Ney Braga.

 

Léo de Almeida Neves – Seria eleito em 1960! Acontece que ele recebeu uma homenagem no Clube Morgenau, em Curitiba, e, após discursar, teve um infarto fulminante, morrendo no dia 12 de dezembro de 1959. Com isso, abriu-se um claro, por que o Ney Braga, que saiu da prefeitura e foi deputado federal  o único do PDC, estava colocando o nome dele como candidato a governador mais para fortalecer o partido, para marcar a existência do PDC no Paraná. Com a morte repentina do Souza Naves, o PTB demorou a escolher o candidato que o substituiria.

Surgiram dois nomes: o suplente do Souza Naves, que era o Nelson Maculan, presidente da Associação Rural de Londrina, e o deputado estadual Amaury de Oliveira e Silva, que era um líder da bancada do PTB na Assembleia. A convenção foi somente em maio, havendo um interregno entre a morte do Souza Naves e a escolha do candidato. Nesse ínterim, o Ney Braga navegou nas águas do PTB, onde tinha muitos amigos, pois frequentou os diretórios trabalhistas. E houve mais uma circunstância muito importante nisso aí: como mencionei, o Jânio Quadros tinha sido eleito deputado federal pelo PTB do Paraná, mas não saiu candidato pelo PTB. O PTB apoiou, junto com o Partido Social Democrata, o marechal Teixeira Lott. Jânio saiu candidato pela UDN, pelo PDC e por outras figuras, mas tinha vínculos com os trabalhistas do Paraná, pois fora o deputado federal mais votado no estado. E o Ney digamos assim  também navegou nas águas do Jânio Quadros.

 

José Wille – Foi quando criou-se o slogan “Jânio e Ney”, como se eles fossem do mesmo partido?

 

Léo de Almeida Neves – Exatamente. Toda campanha no Paraná se fez pelo pessoal do Ney, na base do Jânio e Ney. O Jânio tinha uma popularidade muito grande, inclusive tinha vivido no Paraná e estudado no Internato Paranaense.

 

José Wille – Mas Jânio não apoiava Ney…

 

Léo de Almeida Neves – Jânio não apoiava ninguém, porque, como ele era deputado federal pelo PTB do Paraná, não queria desgostar os trabalhistas do estado. E, muito esperto também, não apoiava ninguém, mas aceitava o apoio de todo mundo. E quem aproveitou, quem fez a “dobradinha para valer”, foi o Jânio. Enquanto o PTB ficava numa posição de apoiar o Teixeira Lott, uma boa parte apoiou esta candidatura, inclusive eu. Mas alguns outros apoiaram o Jânio. Foi por aí que brilhou a estrela política do Ney Braga.

Quando ele foi candidato a prefeito de Curitiba, em 1954, era a primeira eleição para o cargo, pois o prefeito era nomeado até então. E o PTB, que era fortíssimo aqui na capital, pois tinha 9 vereadores em um total de 21, dividiu-se em várias candidaturas. O Wallace Tadeu de Mello e Silva, pai do Roberto Requião, foi candidato pelo Partido Social Trabalhista. O Estevão Ribeiro de Souza Neto foi candidato propriamente pelo PTB. O Amâncio Moro, que também era vereador do PTB, pai do Carlos Alberto Moro, que foi vereador também e candidato a prefeito, também se candidatou. Enfim, o PTB teve três ou quatro candidatos, o que dividiu a votação trabalhista. E o Ney se elegeu com um quinto do eleitorado. O Ney fez 18% do eleitorado de Curitiba e se elegeu prefeito.

 

José Wille – Com o apoio de Bento Munhoz?

 

Léo de Almeida Neves – Com o apoio de Bento Munhoz e do prefeito nomeado, que era o Ernani Santiago de Oliveira, fez-se uma campanha maciça para o Ney Braga. Depois de eleito, fez uma excelente gestão, foi um magnífico prefeito, mas não fez um sucessor. Nós do PTB elegemos o general Iberê de Matos, ou seja, derrotamos o Ney na sua sucessão.

 

José Wille – No velório de Souza Naves, em 1959, Ney Braga já percebeu que ali estava a oportunidade que lhe facilitaria a candidatura?

 

Léo de Almeida Neves – A morte súbita de Souza Naves criou um traumatismo entre os trabalhistas e o eleitorado que ele tinha no Paraná. Foi, na época, o maior velório que se viu em Curitiba, uma multidão! Eu morava no Alto da XV e a multidão se espraiava pelos jardins e pela rua. O Ney Braga deu uma assistência moral aos trabalhistas, que estavam tristes por aquele episódio. Ele ficou praticamente o tempo todo abraçando-os, apresentando pêsames… Enfim, foi muito solidário naquele momento de sofrimento. E houve outros episódios muito interessantes no velório de Souza Naves.

O Jânio Quadros era amigo do Souza Naves e veio para o velório. O João Goulart também era amigo do Souza Naves e veio para o velório. Mas o Jânio Quadros e o João Goulart não eram aliados politicamente. Até então, não estava definido por qual partido o Jânio iria sair candidato e o João Goulart era a maior liderança trabalhista. Então, estava o João Goulart ao lado do caixão de Souza Naves. Chegou o Jânio, que agarrou a mão do João Goulart por baixo do caixão, de tal forma que o pessoal que filmava pode perceber e até fotografar. O Jânio tinha dessas tiradas… Quando ele chegou ao guardamento, jogou-se nos bancos do jardim e disse “Estou muito triste! Isso é o pior que poderia acontecer. Não suporto esse momento! Isso é uma tragédia!”. E chorava e se jogava descabelado no banco do jardim.

 

José Wille – No estilo teatral dele…

 

Léo de Almeida Neves – No estilo teatral dele. O Jânio era assim. Há um episódio interessante quando ele era candidato a presidente da República e recebeu um pessoal do PTB. Ele queria tentar um apoio mais explícito no Paraná. O Jânio fez uma cena: chorou ao falar do Souza Naves e do Alberto Pasqualini e dizia “Souza Naves, aquele que era um amigo fraterno, e o Pasqualini, um grande teórico!”. O Jânio Quadros fez essa cena toda e, depois, lá no caixão, ele agarrou a mão do Jango, porque ele queria, na verdade, fazer uma coligação com o Jango. E o João Goulart estava mais comprometido com outras forças mais de esquerda, mais populares, que se inclinavam para a candidatura do Teixeira Lott. E o Ney Braga também ficou lá cumprimentando, solidário com os trabalhistas.

 

José Wille – Utilizar o nome de Jânio  que não lhe dava o apoio  na campanha eleitoral, foi o caminho para a candidatura e a vitória de Ney Braga?

 

Léo de Almeida Neves – Eu acho. Porque o Ney é um político inteligente e atilado. E ele sabia da força que tinha o Jânio. Ele já não tinha vez com o pessoal que apoiava o Lott, pois havia uma divergência, por ele ser militar. O Ney Braga sempre participou do pessoal mais à direita dentro das esferas militares, nas eleições do Clube Militar, que eram muito acirradas naquela época. Então, Ney percebeu que tinha que dar um apoio forte ao Jânio Quadros. Quando Jânio visitou Curitiba, foi um episódio importantíssimo  tinha gente trabalhista, tinha o pessoal do Ney, que o carregou no ar. Outros amigos do Ney puxaram Jânio para cima e apareceram os dois no ar em fotografias. Criou-se um vínculo.

 

José Wille – E aquela imagem foi muito importante por aparentar o apoio de Jânio a Ney?

 

Léo de Almeida Neves – Exatamente! Foi muito importante, mas é lógico que Ney tem méritos pessoais. Mas, com a morte de Souza Naves, depois saiu Maculan como candidato do PDT, que era um homem decente, correto, mas com uma oratória fraca. O Ney aproveitou a situação e teve muito voto trabalhista, sem dúvida.

 

José Wille – Houve uma divergência de Ney Braga com o senhor por uma homenagem na Praça Tiradentes para  Getúlio Vargas.

 

Léo de Almeida Neves – Não foi bem divergência… Na praça Tiradentes, hoje, há uma estátua de Getúlio Vargas. Todo dia 24 de agosto, os trabalhistas e amigos de Getúlio se reúnem e o homenageiam no seu aniversário de morte. Essa estátua surgiu de um movimento popular organizado por Souza Naves e por gente de todas as classes sociais. Por exemplo, Ivo Leão, maior empresário paranaense na época, participava da comissão para construir a estátua.

Eu, próprio, na condição de jornalista, e outras personalidades econômicas e sociais de Curitiba, participamos desse grupo. Já tínhamos encomendado a estátua e Souza Naves mandou um ofício ao Ney Braga, do qual eu era portador, como secretário-geral do PTB do Paraná e presidente do PTB em Curitiba. Fui entregar o ofício na prefeitura de Curitiba e o Ney me recebeu, como sempre, com muita cordialidade. Eu falei a ele sobre a nossa intenção e que precisávamos da assinatura da prefeitura, porque o foco principal era colocar a estátua lá na praça Tiradentes.

O Ney abriu o expediente, leu, disse que estava tudo bem, mas disse que não concordava com a carta-testamento  “Podem colocar a estátua, mas a carta-testamento é um documento de ódio.” Daí, eu respondi a ele “Na sua opinião, prefeito! Porque, na nossa, é o maior documento da história do Brasil! É um documento em que Getúlio Vargas mostra a exploração, a atuação das forças imperialistas em cima do Brasil. Enfim, é um documento extraordinário de um homem que, aos 72 anos, quando merecia descanso, teve forças para dar um tiro no coração para que não houvesse derramamento de sangue dos brasileiros.” Travamos ali um debate rápido sobre isso. Eu era jornalista e participava de uma coluna chamada “Polinotas”, do antigo “Diário do Paraná”.

Fui para a redação, à noite, e preparei uma nota que dizia “O prefeito de Curitiba concorda com a estátua do Getúlio na Tiradentes, mas não concorda com a carta-testamento, que é um documento de ódio”. O Ney, um político competente, percebeu que ficaria ruim para ele se opor à carta-testamento. Ligou para o Souza Naves e lhe disse que houvera um mal-entendido, pois concordava plenamente e tomou todas as providências, inclusive colocando aquele pedestal que está na praça Tiradentes. Hoje, lá está a carta-testamento, com a estátua de Getúlio em cima. Porém, ele ficou irritado com o negócio da carta-testamento.

 

José Wille – Em 1954, estudante de Direito, o senhor teve sua primeira candidatura como vereador. Foi bem votado, mas não se elegeu. Em 1959, o senhor chegou à Assembleia Legislativa. Como era fazer campanha na década de 50 em Curitiba?

 

Léo de Almeida Neves – Bom, era diferente. Eu me lembro do comício do Getúlio, em 18 de setembro de 1950, o maior comício proporcional à população de Curitiba, aqui onde é hoje a Boca Maldita. A multidão se espraiava pelas ruas laterais e pela praça Osório. Inclusive foi meu primeiro grande comício como orador. Eu, universitário em Direito, e a maior multidão, para quem eu tive a oportunidade de discursar.

Em 1954, como eu me candidatei a vereador, a gente fazia campanha de ônibus, visitando o eleitor nos bairros. Eu tive mais votos do que cinco vereadores eleitos, mas, pelo sistema de representação proporcional, fiquei de suplente. Depois, me elegi deputado estadual. E aproveito para dizer que, na eleição de 1966, que ainda estava no impulso do sistema democrático anterior a 1964, eu fui o deputado federal mais votado do Paraná do MDB, em Curitiba, com mais de 20 mil votos, em um eleitorado pequeno. Naquela época, não se gastava um tostão em campanha eleitoral. Ia-se para o interior e os diretórios hospedavam você, fazendo questão que você não arcasse com despesa. O candidato entrava com a pregação e com as ideias. A influência do dinheiro era muito pequena.

 

José Wille – Não existia, no Brasil, o hábito de se pedir ajuda financeira ao político?

 

Léo de Almeida Neves – Não. Eu tinha a organização do antigo PTB. Depois, fui presidente do MDB, em 1966. Organizei o MDB em Curitiba. E havia os diretórios de bairros, diretórios de núcleos… Seria uma ofensa querer oferecer vantagem material a uma pessoa que cedia um pedaço da sua casa para fazer um diretório político. Eles até ofereciam um lanche para quem participava das reuniões. Oferecer gasolina para algum companheiro era uma ofensa gravíssima. Havia um idealismo muito grande e um espírito cívico muito grande. A influência do dinheiro era nula e quem queria usar deste expediente era repudiado. Nós tivemos grandes representações parlamentares.

Na Assembleia Legislativa do Paraná, por exemplo, tivemos figuras extraordinárias, grandes personalidades, professores universitários, médicos, advogados, trabalhadores,  dirigentes sindicais… Gente eleita pelo voto, sem nenhuma influência. Hoje, dificilmente você vê um professor universitário no Congresso de Brasília ou na Câmara de Vereadores. Você não vê profissionais liberais. O sistema eleitoral brasileiro  e foi o grande mal da Revolução de 1964, com o AI-2  eliminou os partidos políticos da época. Criou artificialmente a ARENA e o MDB, um para apoiar o governo e o outro para fazer uma oposição consentida. E não fez uma legislação eleitoral que permitisse o voto misto. Fez o contrário. A maneira com que a ditadura tratou os políticos fez com que o povo descresse na política. A eleição de 1970, em que os votos brancos e nulos ganharam dos votos válidos, foi uma prova de que o povo não queria saber de política. E essa desconfiança prevalece até hoje.

 

José Wille – No final de 1959, como representante do PTB do Paraná, o senhor conversou com João Goulart, que era vice de Juscelino. Poderia até existir a hipótese da candidatura dele à presidência. Como ele via esse momento político?

 

Léo de Almeida Neves – O João Goulart era um homem de bastante visão política, que aprendeu com Getúlio. Ao ser deposto, Getúlio foi para São Borja, onde o pai de João Goulart tinha uma fazenda também. Eram amigos. E o João Goulart, ainda jovem, começou a conviver com Getúlio. Havia aquela revoada de políticos do Brasil inteiro até o Rio Grande do Sul, até São Borja, pedindo para o Getúlio voltar, incentivando a campanha do “Ele voltará!”. E o João Goulart recebia as pessoas e fazia uma assessoria. E Getúlio foi se afeiçoando muito pelo João Goulart. Já antes de 50, João Goulart tornou-se secretário do Interior de Justiça do Rio Grande do Sul. Depois, Getúlio, já presidente da República, a partir de 1951, convidou-o para ministro do Trabalho, que se vinculou aos sindicatos e começou um trabalho para aumentar o salário mínimo, que tinha ficado congelado no governo anterior, que foi o do marechal Dutra. Os militares acharam que João Goulart estava fazendo subversão e redigiram o manifesto dos coronéis, exigindo que Getúlio o tirasse do ministério, o que foi obrigado a fazer para não ser deposto.

Mas decretou o salário mínimo. Nessa ocasião, João Goulart era presidente nacional do PTB. Getúlio suicidou-se em 24 de agosto de 1954. Entregou a carta-testamento ao João Goulart, na famosa reunião no Palácio do Catete do seu ministério, na noite do dia 23. E lhe disse para que a abrisse somente no Rio Grande do Sul, porque Jango estaria viajando para lá no dia seguinte. A caneta que assinou a carta, ele a deu para Tancredo, que era ministro da Justiça. A viúva ainda deve ter esta caneta que assinou essa carta-testamento. Getúlio suicidou-se na manhã seguinte. É interessante, pois João Goulart disputava no Rio Grande do Sul para senador e Pasqualini, o grande intelectual do trabalhismo, para governador.

Apesar da morte de Getúlio, na eleição de outubro, no Rio Grande do Sul, o PTB foi derrotado: João Goulart foi derrotado para o Senado e Pasqualini foi derrotado para o governo. Na apuração das eleições, o administrador das fazendas de João Goulart foi assassinado em uma discussão política, em Porto Alegre. João Goulart se desgostou muito com aquilo e com a política e foi embora para o Uruguai. Souza Naves, então, assumiu a presidência nacional do PTB. E conduziu todos os entendimentos, que culminaram na candidatura do Juscelino para presidente, na coligação do PSD e PTB, com João Goulart para vice. Souza Naves foi a Montevidéu, já com o acordo pactuado, para convencer o Jango a voltar, pois seria vice de Juscelino. E se elegeram. Naquela época, o vice era votado – o que, aliás, é muito mais correto do que ser vinculado à presidência, no meu entendimento – embora acontecesse, às vezes, de ser eleito presidente de um partido e vice de outro, como aconteceu com Jânio e Jango.

Mas, enfim, elegeram-se Juscelino e João Goulart. E o vice-presidente, pela Constituição da época, presidia as sessões do Congresso Nacional. Então, João Goulart ficou presidindo as sessões e havia elementos do PTB no Ministério do Trabalho, no Ministério da Agricultura e na Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil. Mas aproximava-se a sucessão de Juscelino, que seria em 1960. E o João Goulart, que era um político hábil, estava sempre convivendo com as áreas sociais, estava muito forte politicamente.

E o PTB do Paraná, do qual eu era secretário-geral, em uma convenção, aprovou uma moção por unanimidade, recomendando a candidatura de João Goulart à presidência. Ou seja, o PTB não queria mais apoiar o PSD, queria ter candidato próprio. No final de 1959, eu fui ao Rio  pois era da executiva  conversar com Santiago Dantas, que era vice do PTB, pois Souza Naves havia morrido. Ficou Jango como presidente e Santiago Dantas, vice. Fui trocar ideias sobre a política e Santiago me pediu o favor de entregar um documento ao João Goulart, que estava passando as festas de fim de ano em São Borja. E precisava ser logo, pois era importante para a definição de candidatura presidencial. Santiago estivera com os militares, que disseram não admitir a candidatura de João Goulart para a presidência.

Então, vim a Curitiba e, no dia 31 de dezembro, fui até São Borja levando o documento. Lá na fazenda do João Goulart, conversei com ele – um sujeito muito fraterno, um homem generoso, uma figura humana extraordinária – a respeito de ele ser presidente. E ele disse que não podia, pois os militares iriam vetá-lo. Disse-lhe que tinha que enfrentar esse veto. E ele falou que não valia a pena, pois haveria luta e poderia provocar derramamento de sangue. Então, ficaria só com a presidência do partido.

Quando lhe disse que não tínhamos outro candidato com o seu prestígio, ele deu o nome de Oswaldo Aranha, uma grande figura, um homem muito inteligente, muito culto, principal figura da Revolução de 1930, que tinha sido ministro da Fazenda, ministro das Relações Exteriores, embaixador em Washington durante a Segunda Guerra. Mas o dr. Oswaldo só aceitava a presidência, não queria ser vice – já havia declarado isto à imprensa. Então, João Goulart disse ter um argumento para convencer o dr. Oswaldo: “Ninguém tira essa eleição do Jânio Quadros, mas o PTB faz o vice. O dr. Oswaldo será eleito vice. E o Jânio Quadros, um homem sem equilíbrio emocional, não dura um ano na presidência da República. Então, vou convencer do dr. Oswaldo a ser vice, porque ele será presidente”.

 

José Wille – João Goulart já tinha a visão de que poderia acontecer a renúncia de Jânio?

 

Léo de Almeida Neves – Exatamente! Isso já no dia 31 de dezembro de 1959. Daí, João Goulart foi ao Rio e deu declarações à imprensa de que o vice seria Oswaldo Aranha. Em março, estávamos em um jantar no Hotel Glória, onde seria a escolha do Homem de Visão – um grande jantar, com muitas personalidades  quando João Goulart recebeu um telefonema. Atendeu, voltou e disse ao marechal Lott que seu vice acabara de morrer. Oswaldo Aranha havia morrido vítima de um problema no coração. Saímos do jantar e fomos para o velório. Na visão de Jango, ele sabia que Jânio Quadros seria eleito e não duraria no poder. Sabia também que ele sofreria um veto militar muito forte para ser presidente.

Mas, se fosse vice e o Jânio renunciasse, ele teria que assumir e sofreria veto igual. Por isso, queria Oswaldo Aranha. Mas, com a morte do Oswaldo, não sobrou outra alternativa ao João Goulart do que ser candidato a vice-presidente. E, realmente, o Jânio se elegeu por uma facção, e o João Goulart se elegeu vice por outra. E, como todo mundo sabe, o Jânio renunciou em 7 meses. Como o João Goulart estava na China comunista, foi difícil tomar posse, pois houve o veto dos militares. Para tomar posse, teve que aceitar o parlamentarismo e perdeu poderes. Depois, foi possível, pelo plebiscito, restabelecer o presidencialismo, mas, dentro das circunstâncias globais do mundo da Guerra Fria, acabou sendo deposto também.

 

José Wille – Por duas vezes, por João Goulart, o senhor participou da chamada Cadeia da Legalidade: para a posse dele, que era vice e que entraria no lugar de Jânio Quadros; depois, no momento da deposição, em 1964, tentando evitá-la.

 

Léo de Almeida Neves – O João Goulart, com muita habilidade, quando houve a renúncia do Jânio e o veto dos militares, não regressou imediatamente ao Brasil. Ele atravessou o mundo, viajou para a Europa, foi para a Austrália, depois acabou chegando ao Uruguai  para ganhar tempo e, durante esse período, a opinião pública se mobilizar. E o Brizola, que era governador do Rio Grande do Sul, instalou nos porões do Palácio Piratini a Cadeia da Legalidade, com a rádio Farroupilha, que liderava as rádios do Brasil inteiro, entrando em cadeia para defender a posse de João Goulart.

Nós aqui em Curitiba, com o prefeito general Iberê, abrimos o voluntariado  milhares de pessoas foram à prefeitura e se alistaram para um eventual combate, pois havia a perspectiva de luta. E o bloco trabalhista lutou por uma manifestação pública da Assembleia Legislativa. Não houve sessões, havia uma maioria reacionária, anti-Jango, e o presidente da Assembleia não quis fazer sessão. Afinal, conseguimos elaborar um manifesto, com assinaturas de um bom número de deputados não da maioria   e me coube levar esse documento a Brasília ao presidente da Câmara dos Deputados, exigindo a posse de João Goulart. Então, alugamos um avião pequeno e fui até lá.

Chegando a Brasília, fui à Câmara, entreguei o documento e voltei imediatamente para embarcar, porque em Curitiba era o campo de batalha. Mas, quando voltei, já na estação de passageiros, estavam prendendo pessoas. Já não tinha mais avião circulando, pois a Aeronáutica tinha dominado tudo. Eu estava com o meu piloto, olhei aquele quadro e fomos para o avião, andando calmamente. Chegamos, pegamos o avião e decolamos, sem autorização da torre nem nada, bem ao estilo brasileiro, pois nossas revoluções e nossos movimentos são bem tranquilos.

E consegui voltar para cá, mas não pude descer em Curitiba, pois ficou sem avião aqui também. Vim por terra, falando pelas rádios. Principalmente em Ponta Grossa, a Capital Cívica, tinha, o dia todo e à noite, rádio disponível, com gente reunida e “discurseira” comendo solto. Então, esse foi o meu episódio modesto na posse de João Goulart. Quando ele foi deposto, a gente estava no Rio. Fomos para o Palácio das Laranjeiras e se instalou lá também uma Cadeia da Legalidade, falando para todo o Brasil e conclamando a defesa da democracia e da legalidade. Mas, mais importante que a minha atuação nisso, é ressaltar a grandeza de João Goulart, que, por duas vezes, evitou o derramamento de sangue no Brasil.

Na batalha da legalidade, na posse, o Terceiro Exército do Rio Grande do Sul aderiu à tese da posse de João Goulart, com o general Machado Lopes no comando. Ele foi ao Palácio Piratini e, com o Brizola na sacada, acenou para o povo. Ele havia aderido, ficado a favor do movimento. O Rio Grande do Sul estava unido, com as forças políticas e as forças armadas. Mas o Tancredo Neves já havia se encontrado com o Jango em Montevidéu, levando a fórmula do parlamentarismo, que os militares aceitavam. E o Jango achou que era bom, pois tirava o poder de si, mas evitava luta.

Quando chegou a Porto Alegre, foi um comício espetacular, com todo mundo exigindo que não aceitasse o parlamentarismo. O Brizola era um que estava empolgado  “Vamos subir com as tropas, repetindo 30.”. Porque 1930 foi assim: começou no Rio Grande do Sul e terminou no Rio de Janeiro. Desta vez, começaria em Porto Alegre e terminaria em Brasília. Mas João Goulart se indispôs até com o Brizola, ficando até muito tempo sem se falarem, pois não aceitava derramar sangue. Aceitou o parlamentarismo e tomou posse.

Muito interessante é que eu fui para a posse do João Goulart, uns dois dias antes, em Brasília, e o avião em que nós estávamos, que era avião de passageiros, quando chegamos, foi invadido pela Aeronáutica, que procurava por João Goulart. Eles achavam que o Jango, clandestinamente, queria ir a Brasília. Mas ele foi em um avião fretado da Varig dois dias depois. Até o general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar, foi importante nisso, permitindo que o Jango chegasse e assumisse a presidência.

E, depois, foi importante também na queda de João Goulart. Por que na queda? Porque ele tinha um dispositivo militar forte. E tinha uma pesquisa de opinião pública, publicada na época e repetida de vez em quando, que o Jango tinha 62% de apoio popular pelo IBOPE na época. Tinha apoio popular, tinha apoio sindical e tinha forte apoio militar. Ocorreu o seguinte: o movimento eclodiu em Minas, onde fizeram o governo provisório, tudo combinado com o governo americano. As tropas americanas da Marinha estavam se deslocando para Santos. A ideia era que o governo americano reconhecesse o governo provisório de Minas como governo do Brasil. Esse governo pediria apoio americano e eles entrariam por Santos com tropas armadas.

 

José Wille – O senhor acha que João Goulart percebeu que não adiantaria resistência?

 

Léo de Almeida Neves – Percebeu, não! Ele foi informado por Santiago Dantas, que era mineiro. Ele esteve em Minas e o pessoal de Minas que estava no Golpe informou ao Santiago, que comunicou ao Jango. Então, Jango viu que a resistência, além de inútil, iria provocar um banho de sangue no Brasil. E ele preferiu sair. Mas a queda do João Goulart vem de outro episódio  a Guerra Fria.

Os americanos, que já tinham Cuba em seu calcanhar, com o regime comunista de Fidel Castro, não admitiam qualquer movimento esquerdista no Brasil. João Goulart não era comunista, era um latifundiário, um homem rico, mas tinha apoio de forças de esquerda. E os americanos tinham esse temor. Então, a influência americana era muito forte. Porque até a Segunda Guerra Mundial, o Brasil obedecia militarmente à orientação francesa. A escola francesa era a que predominava nas Forças Armadas do Brasil. Com a Segunda Guerra, quando o Brasil lutou na Itália sob a chefia do exército norte-americano, passou a ter influência norte-americana  inclusive os oficiais brasileiros iam para lá se formar e se aperfeiçoar.

Quando a Guerra Fria entre os Estados Unidos e União Soviética se acirrou, obviamente o Jango sofreu muito com isso e foi, ao meu modo de ver, uma das causas que puxou seu tapete. Outro detalhe importante é que, com o presidente Kennedy, o João Goulart tinha um bom relacionamento. Quando foi aos Estados Unidos, foi recebido pelo Kennedy. Há outro episódio interessante: quando o papa assumiu, o Kennedy compareceu, assim como o Jango. E houve uma reunião lá no Vaticano, um encontro para discutir estatização de empresas e empréstimo americano. Então, João Goulart tinha um bom relacionamento pessoal com John Kennedy. Depois que Kennedy foi assassinado, assumiu o Lyndon Johnson, que tinha uma linha mais reacionária, de direita, que ajudou também na deposição de João Goulart no Brasil.

 

José Wille – O senhor, por duas vezes, esteve perto de ter a candidatura lançada pelo PTB ao governo do estado, em 1965 e em 1970, mas as circunstâncias foram desfavoráveis. E houve a sua cassação.

 

Léo de Almeida Neves – É verdade! Eu era secretário-geral do PTB do Paraná, secretário-geral do PTB nacional e presidente do PTB de Curitiba. Então, tinha uma forte militância partidária. Como diretor da Carteira de Crédito Agrícola Industrial do Banco do Brasil, da Zona Sul, que abrangia São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, eu me vinculei muito ao interior do Paraná, a parte rural do Paraná, que era o forte da economia paranaense, pois, naquela época, só o Banco do Brasil fazia crédito rural a juros baixos e prazos longos, estimulando principalmente o financiamento de pequenas propriedades.

Em consequência, a gente tinha uma situação eleitoral bem razoável. Por isso, nosso nome era ventilado para ser governador muito fortemente. Mas a Assembleia Legislativa mudou a Constituição, exigindo 35 anos de idade, e eu só tinha 33. Então, foi apresentada a chamada emenda “Léo” pelo deputado Aníbal Curi, que foi aprovada em duas legislaturas, conforme exigia a Constituição, reduzindo a idade para 30 anos, para que eu pudesse ser candidato. Acontece que veio o Golpe de 1964, e, em 1965, houve a convenção do PTB. Eu ainda mantive a tese da candidatura própria, mas a maioria dos meus companheiros achou que, em face da Revolução, era melhor apoiar um candidato ligado à Revolução e ao marechal Castello Branco, que era o dr. Bento Munhoz da Rocha Neto. E a tese da candidatura própria foi rejeitada e aprovada a tese da coligação.

Nós perdemos a eleição com o dr. Bento para o Paulo Pimentel, em 1965. Depois, veio a eleição de 1966, e eu fui o deputado federal mais votado do Paraná, em todos os municípios do estado, pelo MDB, e, por pouco, não fui o mais votado entre todos os partidos. E meu nome era fortemente lançado com aquele slogan “Léo 70”, que estava espalhado pelo Paraná inteiro, quando vieram o AI-5, em 13 de dezembro de 1968, e a minha cassação, em 13 de março de 1969. Depois, o próprio AI-5 acabou com a eleição de governador, que passou a ser biônica, pelo voto indireto. Não houve nem eleição direta. Então, na verdade, eu tive duas oportunidades, com bastante viabilidade de sucesso, que não se concretizaram por força das circunstâncias.

 

José Wille – A cassação veio pela imagem de um deputado de esquerda?

 

Léo de Almeida Neves – Exatamente! E da atuação forte na oposição e de liderança. Porque, modéstia à parte, todos os grandes líderes de 1968 e 1969 foram cassados. Como Mário Covas, que, na época, era o líder da nossa bancada, entre outros.

 

José Wille – E daí foram 10 anos, de 1969 até a Anistia, em 1979, que o senhor ficou fora da política?

 

Léo de Almeida Neves – Dez anos que eu fiquei fora da política e só fui disputar eleições 16 anos depois da eleição anterior, ou seja, em 1982.

 

José Wille – E, então, foi para a iniciativa privada trabalhar na Cacique?

 

Léo de Almeida Neves – Sim. Quando fui cassado, fui trabalhar na Cacique Café Solúvel.

 

José Wille – E voltou a ter participação já no governo Richa, em 1982, no Banestado.

 

Léo de Almeida Neves – Sim. Fui presidente do Banco do Estado no governo Richa. Estive também na superintendência do INPS, que, depois, transformou-se em INSS. E fui também diretor e presidente em exercício do Instituto Brasileiro do Café até o final do governo Sarney.

 

José Wille – Hoje, o senhor é senador suplente de Roberto Requião. O fato de ficar muito tempo afastado da política e a sua cassação interromperam a continuidade da carreira.

 

Léo de Almeida Neves – É obvio que, ao ficar 16 anos longe – afastei-me inclusive do Paraná na ocasião, indo para São Paulo trabalhar na Cacique – você se distancia do eleitorado. Os meus amigos, que, na época, se elegeram vereadores, quando eu presidia o partido em Curitiba, subiram merecidamente na política. Quando voltei a me candidatar a deputado federal, Maurício Fruet já era o deputado federal mais votado do Paraná e o Enéas Faria tinha uma grande liderança. Então, os espaços já estavam ocupados e fiquei em uma suplência, que assumi em 1985.

 

José Wille – O que foi, para o senhor, essa cassação e os anos que vieram a seguir, durante o governo militar?

 

Léo de Almeida Neves – Na verdade, o governo militar, embora na parte econômica tenha obtido sucesso, eu acho que criou um flagelo muito grande ao Brasil, que foi o de ceifar carreiras políticas brilhantes, que tinham bastante futuro. E não criaram um arcabouço jurídico que favorecesse a democracia. Eu responsabilizo o regime militar pela decadência da qualidade da vida pública no Brasil no período pós-revolução.

Eles não deram uma legislação adequada, por exemplo, para estabelecer o voto distrital misto, com eleição por distrito pelo voto partidário. Como também não criaram regras para eliminar a influência do poder econômico. Porque eu não admito  e fui autor do projeto de lei  que se dê vantagem para o eleitor em época de eleição, para entidade de bairro, para entidade religiosa. A legislação teria que vedar isso totalmente e qualquer maneira ilegal e imoral de influir sobre o eleitor deveria ser cassada.

E a Revolução não criou esse arcabouço jurídico. Ela prejudicou principalmente o processo, ao extinguir aqueles antigos partidos políticos, criando dois partidos artificiais, que eram o MDB e a ARENA, sem nenhuma força, porque esses deputados, na época, não tinham a menor expressão, não eram nem recebidos por ministros ou pelo presidente da República.

José Wille – Era só uma atuação?

Léo de Almeida Neves – Simbólica, para efeito externo. Para justificar, externamente, que no país ainda havia democracia.

 

 

 

 

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