Biografias

Como Luiz Geraldo Mazza virou jornalista

 
 Nesta entrevista, de 1997, Luiz Geraldo Mazza contou ao projeto Memória Paranaense da Rádio CBN e Inepar como virou jornalista. Ele segue trabalhando até hoje no Jornal Folha de Londrina.
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José Wille – Ao mesmo tempo em que você atuava politicamente como estudante de Direito, começava a atividade paralela de jornal, trabalhando no “Estado do Paraná”, escrevendo sobre literatura. Como foi esse início, que marcaria depois sua atividade, principalmente como jornalista e não como advogado?
  Luiz Geraldo Mazza – Em 1950, o Bento foi eleito. Aqui tem um paralelo interessante na história da imprensa do Paraná, que prova que hoje nós temos uma imprensa muito alinhada ao governo. Naquela época, não. O jornal “O Dia” pertencia ao Lupion. A “Gazeta do Povo” tinha uma grande parte das ações pertencentes ao Lupion. E existia ainda a Rádio Guairacá, que era a nossa rádio mais moderna, a que tinha sofisticado um pouco o clima de rádio, que foi afinal pioneiramente tocada pela Rádio Clube. Então, era todo um complexo de comunicação que pertencia ao Lupion. Quando o Bento Munhoz da Rocha foi eleito, em 1950, o grupo que o apoiava decidiu montar um jornal em Curitiba, que foi o “Estado do Paraná”, que era do Aristides Merhy, dono do Palácio Avenida, que está agora com o Bamerindus; o Fernando Camargo, cunhado do Bento Munhoz da Rocha; e o José Luiz Guerra Rego, alagoano aparentado também por casamento. Esse era o jornal feito para dar cobertura, para opor-se a toda aquela barragem que tinha a favor do Lupion. Então, existia contraste no Paraná, coisa que não tem hoje. Apareceu ainda na sequência o jornal “Diário do Paraná”, que era do jornal “Diários Associados”, do Chateaubriand, que aqui no Paraná era tocado por Adherbal Stresser. E foram para o lado do Bento, esses dois jornais. Viria ainda a “Tribuna do Paraná” e depois os outros jornais. Esse era o divisor. Porque, quando chegou o governo do Ney Braga, nós sentimos que havia quase uma espécie de alinhamento dos jornais em relação ao governo, o que favoreceu a decolagem de um grande governo, o de Ney Braga, mas que, em compensação, deixou a imprensa de certa forma castrada por falta de espírito crítico. Eu entrei no “Estado do Paraná” para fazer literatura, escrevia uma crônica por semana e ganhava, veja que coisa maluca, o que ganhavam os jornalistas para trabalhar o mês inteiro. Não que eu fosse o bom, mas é que ninguém ligava para esses valores. Eu não tinha registro profissional, era funcionário do estado, do governo, e fazia esse trabalho de uma maneira efetivamente ligada à arte. Recebia por isso. Fiz meu nome em cima disso e só ressalvo que a sociedade não era consumista, razão pela qual os jornalistas tinham um emprego público e eram pessoas que conservavam um necessário espírito boêmio. Muitos gostavam de jogar, viver à noite e não havia essa disposição de procurar bens. O automóvel mesmo era uma coisa difícil, pois era importado. O Brasil só iria despertar mais tarde para a indústria automobilística. Então, a nossa inspiração era: casa própria e o direito à dispensa da CISA para conseguir a casa. Nós tínhamos o imposto de renda, que não pagávamos. Tínhamos desconto de 50% em passagens de avião. Toda uma série de privilégios que o regime na época conferia aos jornalistas.   
  
José Wille  – A atividade de jornalista já não era uma garantia financeira na época. E, mesmo assim, sua opção na época foi pelo jornalismo e não pela carreira de advogado, que você poderia ter seguido. Por quê?
  
Luiz Geraldo Mazza – Bom, mas o jornalismo profissional começa mais ou menos na transição dos anos 50 para os 60. Não com legislação, mas com papéis de responsabilidade de direção, de administração dos jornais. Aquele espírito boêmio, aquele negócio de entrar, por exemplo, anúncio classificado pela janela da “Gazeta do Povo”, isso é história folclórica do jornalismo paranaense – e que realmente ocorria – mas mostra a maneira como eram tocados os jornais, sem um sentido gerencial moderno. E para os jornalistas, com essa boêmia toda, não havia fixação. Quando aparece o “Diário do Paraná”, ele traz esse sentido. Só cometeu um equívoco: ele não pagava. Mas nós tínhamos o orgulho de trabalhar num jornal que trouxe tantas inovações para cá – por exemplo, a diagramação. Ninguém sabia o que eram a diagramação, o layout, o desenho, a técnica de lead, a mudança da concepção de redação, porque anteriormente se fazia o nariz-de-cera – antes de contar a notícia, fazia-se um discurso. Era assim o jornal. Trouxe também o teletipo… E o jornal tinha outra característica: quando tinha uma informação, era acionada uma sirene e a cidade inteira sabia que tinha alguma coisa de novo. E aí corriam para o mural do jornal para ver nas paredes qual era a notícia. Eram comuns as edições extras, porque nós não tínhamos uma rádio versátil nessa época, que acompanhasse os acontecimentos. E o jornal via e atendia a essa necessidade do público.
  
José Wille – Mesmo depois, já casado, formado, trabalhando como jornalista, você continuava participando da agitação ideológica. E participando até de greves que não eram da sua própria categoria. Como foi isso?
  
Luiz Geraldo Mazza – É, essa inquietação vinha desde o tempo da universidade. Eu me lembro de uma coisa muito interessante. Um dia, o Luis Carlos Biazetto, que era diretor de uma entidade secundarista, queria fazer uma manifestação na praça Zacarias contra o aumento dos ônibus, um assunto que sempre me apaixonou, pois eu conhecia a questão operacional, custos, essa coisa toda. Então, estava ele com um megafone e eu fiz um discurso. E estava lá perto o líder comunista Agriberto Azevedo, muito visado por causa do movimento de 1935, que era um eremita, uma figura maravilhosa, mas perseguido. Era um sujeito que tinha uma visão do mundo como se vivesse dentro de uma masmorra. Ele chegou para mim e reclamou do meu pronunciamento, dizendo “tem que denunciar o imperialismo”. E eu “espere aí, se você estabelecer uma relação entre um problema local e o imperialismo, eu até faria. Mas eu gostaria de ver essa relação”. Veja como era a questão ideológica: as pessoas de repente transbordavam com esse tipo de lógica pouco ou nada cartesiana. A gente vivia nesse agito. No meio estudantil, eu fiz vários discursos. Eu me lembro de uma ocasião em que assassinaram um jornalista em Goiânia, e o fato se converteu numa cena demagógica: tiraram sangue do corpo dele e “aqui tombou alguém pela liberdade da imprensa…”. Falou o presidente da UPE, que era o José Cury, advogado; o Jairo Regis, que foi caçado em 1964; e eu. E, enquanto eu falava, vi um cinegrafista me filmando e não era o cinegrafista da Flama Filmes; era o pessoal da área de segurança. Mas o fato é que um desses filmes chegou a aparecer nos cinemas. Inclusive, quando passou em Paranaguá, arranjaram um apelido horrível para mim lá: “aí, Lulu”. Era muito comum essa participação, a gente se envolvia em tudo… Em muita coisa de rua, acontecimentos de rua, uma agitação qualquer que não precisava ser política, a gente estava lá. A Revolta do Pente foi uma questão que acabou ganhando conotação política. Nessa aí eu também estava no rolo. E um dos sonhos da minha vida é que eu poderia controlar a multidão. Então, estava lá em cima do “Diário do Paraná” e, quando a multidão passou na rua José Loureiro, eu gritei “povo da minha terra”. Jogaram uma pedra lá, quebraram o luminoso do jornal. O que provou que eu não tenho lá muita persuasão para essas coisas.

 

 

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