Fatos Históricos

O escritor Cristovão Tezza relembrava a antiga comunidade de Rio Apa em Antonina

 

O escritor paranaense Wilson Rio, já falecido, criou uma histórica comunidade cultural em Antonina, no Litoral do Paraná.

E o escritor paranaense, Cristóvão Tezza, participou desta comunidade. Leia abaixo o relato dele, gravado em 1998:

E clique aqui para conhecer o grupo Memória de Antonina, criado por este portal no Facebook. Ao abrir, clique em “participar do grupo”.

 

O escritor Rio Apa em uma foto do jornal “Gazeta do Povo”.

 

 

José Wille – O que era esse projeto? Como se formou essa comunidade?

Cristóvão Tezza – O Rio Apa tinha um projeto de Teatro Popular, teatro revolucionário, de sair do palco e ir para a rua – bem na ideia dos anos 60, a ideia de cultura contestatória daquele tempo – a ideia de arte, da atividade artística, não como a composição de objetos, mas como atitude diante da vida. Não basta simplesmente você fazer uma peça, você tem que levar sua vida de modo que ela mesma seja uma obra de arte. Você tem que ser coerente: se você é contra o sistema, você tem que viver fora do sistema etc. Esse era um discurso bem dos anos 60. Ele fundou uma comunidade, um centro lá em Antonina, onde procurava integrar pessoas marginais, fora do sistema. Todo o dia apareciam hippies, mochileiros, todo mundo querendo participar, e eu era uma espécie de assistente do Rio Apa, trabalhava junto com ele.

 

José Wille – E a comunidade de Antonina, como acompanhava este projeto?

Cristóvão Tezza – Ah, era uma delícia, porque o Rio Apa promovia muitos festivais de pintura popular. Tenho imagens muito fortes do Carnaval: havia escolas de samba, o Império da Caixa D’água – fomos campeões dois anos. A ideia do Rio Apa era de integrar a arte à cultura popular, quer dizer, o povo tem que participar das coisas que se faz. Então, foi uma fase muito rica para mim, eu aprendi muito e foi uma maneira de criar uma visão de mundo não-condicionada. Eu acredito que, se tivesse saído direto do científico e ido para a universidade, acabaria botando aquela camisa-de-força acadêmica. Eu continuo achando que os jovens hoje se decidem muito rapidamente com 16, 17 anos… Minha filha, que tem 15 anos, já está preocupada com o que vai fazer da vida. Seria bom se todo mundo tivesse um tempo para viver um pouco mais até entrar na universidade para encerrar a vida ali ou direcioná-la de uma forma fechada.

 

José Wille – Hoje, você tem um balanço positivo destes anos, o que, na época, parecia um tempo perdido?

Cristóvão Tezza – Com certeza. Eu tive grandes discussões com a minha mãe na época, porque ela achava que o filho estava perdido. Eu diria o mesmo se estivesse na posição dela. Com a idade, você vai tomando uma perspectiva diferente. Foi uma bela experiência! Eu gostei dessa fase da minha vida, acho que foi positiva para mim, embora tivesse também a sua angústia. Não era um mar de rosas, era um desafio que se fazia. E, de repente, você começa a sentir a necessidade de sobrevivência. Eu fiz um curso de relojoaria. Um sonho romântico de ser relojoeiro, ter aquele trabalho medieval, vivendo na pequena comunidade e com tempo para escrever. Isso foi um erro brutal, porque, para desmontar e montar um despertador, você levava uma tarde toda.

 

Cristovão Tezza

 

José Wille – E já estava chegando o relógio digital…

Cristóvão Tezza – E coincidiu ainda, em 1976, com a chegada do relógio digital. Quer dizer, você comprava um relógio mais barato que a limpeza de um West Clock. E, ainda em Antonina, em pouco tempo eu já tinha consertado quase todos os relógios da cidade (risos). Aí, eu encerrei esta minha fase. Do ponto de vista de escritor, foi uma fase de amadurecimento. Eu cheguei a escrever algumas peças, um escritor ainda imaturo, mas com uma visão de mundo.

 

José Wille – Você chegou a ser militante de esquerda, ou apenas participou desta comunidade?

Cristóvão Tezza – A questão política brasileira me tocou muito forte, mas de tabela, porque eu era novo. Eu me lembro que, no final dos anos 60, tomando 1968 como referência, que foi o ano do AI5, eu convivi com isto através do meu irmão, dos amigos dele na faculdade de Direito. Eu, guri, arroz de festa, ficava ouvindo os papos e sentia muito de perto a efervescência política, o desejo daquela juventude de transformar o Brasil, de mudar, de fazer alguma coisa e ser do contra. Isso me tocou muito. Vi muita gente sendo presa, que desapareceu, foi torturada. Eu tive um cunhado que ficou preso por dois ou três meses na praça Rui Barbosa, onde tinha um quartel. Cheguei a visitá-lo junto com a minha irmã… Quer dizer, são lembranças fortes da questão da ditadura do poder. Mas eu era muito criança ainda – 15 para 16 anos – na fase em que as pessoas se decidiram por luta armada. Houve uma diáspora de gente que achava que tinha que haver luta armada e outros que achavam que tinha de ser institucional. Eu acabei fazendo uma terceira via, a minha opção lá pelo Rio Apa, pela comunidade. Era “paz e amor, bicho”, era a negação do sistema em um outro patamar. Era a geração mais anos 70 mesmo, mais hippie.

 

 

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