Memória Política

A política paranaense dos anos 1960 e 70 no relato de Túlio Vargas

Nascido em Piraí do Sul, em 1929, Túlio Vargas graduou-se em Direito na Universidade Federal do Paraná em 1954. Depois de formado, mudou-se para Maringá, onde se elegeu presidente da Associação dos Advogados e fundou o Partido Democrata Cristão, pelo qual se elegeu deputado estadual em 1961, reelegendo-se a seguir. Em 1970, sempre pela Arena, partido governista, elegeu-se para a Câmara dos Deputados, em Brasília.

Em 1974, foi nomeado secretário de estado de Justiça, no governo Canet Júnior, e, posteriormente, nos governos de Ney Braga e Hosken de Novaes. Também atuou como jurista, historiador e escritor. Encerrou a carreira como procurador do Tribunal de Contas do Paraná, e morreu em 2008. Esta entrevista foi gravada em setembro de 1997.

 

 

 

José Wille – O fato de haver outros políticos em sua família, incluindo seu pai, Rivadávia Vargas, foi decisivo para o senhor se candidatar logo cedo?

 Túlio Vargas – É evidente que houve uma influência doméstica muito grande, porque, na minha casa, a gente almoçava e jantava política. Meu pai foi deputado estadual, meus bisavós, tanto do lado paterno quanto do materno, foram prefeitos da minha cidade natal, Piraí do Sul, e meu bisavô, Telêmaco Borba, também teve uma participação muito ativa e muito expressiva na história do Paraná, não só como parlamentar, mas como revolucionário, como etnólogo e como escritor. A soma de todas essas influências, certamente, induziu a me engajar na carreira política, o que fiz muito cedo. Já com dezesseis anos, me lembro de haver participado da campanha do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República. Sucessivamente, vieram as eleições estaduais e a primeira eleição de Moisés Lupion, que, por sinal, fez de Piraí do Sul, durante seu mandato, a capital política do Paraná, ele que viveu naquela cidade desde a sua infância, embora tivesse nascido em Jaguariaíva. É evidente que todos esses fatos repercutiram no meu espírito, de tal modo que eu, já precocemente, ingressei na carreira política como militante e, posteriormente, alcancei os degraus da Assembleia Legislativa e da Câmara Federal.

José Wille – Como tantos outros estudantes de Direito, o senhor também gostava de rádio e foi trabalhar na Rádio Clube Paranaense e na Guairacá. Mas começou pelo alto-falante?

Túlio Vargas – Já no estado de São Paulo, ainda adolescente, eu fazia um programa em um serviço de alto-falantes que existia na praça principal de uma cidade paulista chamada Itapeva. Ali, evidentemente, adquiri certo desembaraço para falar ao público e isso me deu base para tentar, depois, o rádio, que, através do apoio de meu tio Tércio Rolindo Moura, na época presidente do Coritiba Football Club, recomendou-me à direção da PRB2. Eu fiz um teste, fui aprovado e ali fiz carreira como locutor esportivo. Depois me transferi para a Rádio Guairacá, que chegava com toda a força de uma mídia que causou, durante bastante tempo, uma influência muito grande na opinião pública do estado do Paraná, pela qualidade da sua programação, pelos critérios inovadores que soube imprimir no exercício das transmissões esportivas em particular, e, notadamente, nos programas de auditório.

José Wille – A chegada da Guairacá, que era de Moisés Lupion, tirou boa parte da audiência que era, até então, da Clube Paranaense?

Túlio Vargas – Lógico! A Clube Paranaense – PRB2 tinha audiência absoluta, porque era a única. A Guairacá repartiu essa audiência e obteve grandes pontos no Ibope da época, chegando, muitas vezes, a superar a própria PRB2, que era a emissora pioneira.

José Wille – Que impressão o senhor guarda do rádio desta época – começo da década de 50 e final da década de 40 – quando esteve nessas duas emissoras?

Túlio Vargas – São recordações do cotidiano de qualquer rádio, que, naquela época, não apresentava grandes novidades, por causa da limitação tecnológica. Eram os programas de auditório, as programações de novelas, as radionovelas. Lembro que uma das figuras consulares da radiofonia de então foi José Wanderlei Dias, que, há pouco tempo, nos deixou. Ele introduziu na rádio Guairacá um estilo totalmente diferente de programação, graças ao seu extraordinário talento criativo. Ele realmente marcou aquela época com seu talento.

José Wille – Era o principal veículo na época, na inexistência da televisão. Havia participação popular nesses programas…

Túlio Vargas – Exatamente. Àquela época, todo mundo estava sintonizado nas emissoras. Os jornais tinham uma circulação muito restrita e todos viviam em torno do rádio. Além das programações de Curitiba, havia os famosos programas da Rádio Nacional – por exemplo, o “Repórter Esso”, durante a Segunda Guerra Mundial. Então, a população vivia em torno dessas programações locais ou vindas, principalmente, do Rio de Janeiro.

José Wille – O senhor estava se formando em Direito, em 1954, e já atuava em jornais e rádio. Por que deixou Curitiba e foi para Maringá, que, naquele tempo, ainda era uma região sendo aberta?

Túlio Vargas – Durante meu curso de Direito, eu fazia rádio e também escrevia em jornais. Fazia uma coluna no “Paraná Esportivo”; depois, fui diretor da sucursal da “Gazeta Esportiva” de São Paulo aqui no Paraná, com sede da sucursal em Curitiba. E, quando terminei o curso de Direito, achei que precisava submeter-me a uma opção definitiva em termos de carreira profissional. E ser apenas locutor e redator esportivo achei que não me bastaria. Eu tinha ambições maiores e entendi que, indo para o interior do estado, encontraria um campo mais fértil para a realização da minha vocação política.

José Wille – Por que a escolha de Maringá?

Túlio Vargas – Porque era uma região nova, uma região ainda a ser explorada. Seria uma área propícia a uma instigante experiência para um advogado recém-formado. O que me atraiu para o Norte do Paraná foi a promessa de desenvolvimento, pois havia aquela explosão econômica. É verdade que, quando eu me decidi pelo interior do estado, pelo Norte do Paraná, houve a grande tragédia da geada de 1955. Mas, mesmo com esse panorama de desolação, de desânimo no Norte do Paraná, eu preferi arriscar e fui para lá, na esteira de todo aquele flagelo, para o início da minha vida profissional e para construir meu futuro. E parece que tive sorte nesse meu intento.

José Wille – Eram estradas de terra. Que impressão lhe deu, na primeira vez, essa ida a Maringá?

Túlio Vargas – A impressão de uma aventura! Parecia que estava em um faroeste e, dentro deste clima de desafio, eu achei que poderia aplicar certo talento criativo na minha profissão, porque, com a dificuldade de locomoção face à precariedade das estradas, era muito difícil o povo vir à sede da comarca, ao fórum, e procurar na cidade o seu advogado. Então, resolvi descentralizar o meu escritório de advocacia e, um dia por semana, eu ia àquelas cidades adjacentes, como Mandaguaçu, Ourizona, São Jorge, Floraí, Paiçandu, Floresta… Com isso, pude ampliar o meu escritório, a minha clientela e formar realmente uma base profissional profundamente sólida.

José Wille – Nesse relacionamento, o senhor já pensava na possibilidade de seguir a carreira do seu pai e também  fazer política?

Túlio Vargas – Às vezes, alguns colegas daquela época, como o conselheiro do Tribunal de Contas João Féder, me relembram palavras que eu teria dito quando fui para o Norte do Paraná, tais como “Eu vou para o Norte do Paraná e só volto deputado”. Então, realmente, já existia um espírito preconcebido de tentar a carreira política.

José Wille – Como era a vida em Maringá quando o senhor chegou lá, em 1955?

Túlio Vargas – Era uma cidade que, às vezes, parecia uma cidade-fantasma, porque a luz era gerada por aqueles motores a diesel, que geralmente pifavam. Eu lembro de várias campanhas políticas em que realizávamos as concentrações à luz de velas. Só mesmo depois que entrou o governador Ney Braga é que as coisas mudaram, pois foi a Copel para o Norte do Paraná, estendendo suas linhas. Houve, também, uma melhora considerável no setor de telefonia. E, ainda, a Estrada do Café, fazendo a integração entre o Sul e o Norte, que até então parecia uma ilha totalmente isolada do resto do estado. E eu lembro que, nas reuniões políticas ou sociais, às vezes eu era designado para falar em nome da colônia paranaense. Eram raríssimos os paranaenses que residiam naquela região. Em grande parte, eram paulistas, mineiros e nordestinos que, praticamente, colonizaram o Norte do Paraná. Devemos a eles esse trabalho de desbravamento, esse trabalho pioneiro.

José Wille – A cidade de Maringá era planejada, mas na época não tinha asfalto ou estrutura.

Túlio Vargas – Sim. A gente tinha que andar de botas e o único veículo compatível com a região era o jipe. Nos dias de chuva, era totalmente impraticável tentar sair pela cidade. Nos dias de calor, o pó era também de tal forma insuportável que, muitas vezes, lembro de ter chegado naquelas cidades do interior totalmente coberto e sendo identificado apenas pelos olhos. A terra roxa.

José Wille – E quando encalhava um jipe, todos ficavam na fila, fechando a estrada.

Túlio Vargas – Fechava a estrada! Então, era um tal de ajudar a puxar o carro, empurrar o carro, cabo de aço em um caminhão para poder tirar o jipe do atoleiro de areia, principalmente no sentido do Noroeste. Vindo para o Sul, eu lembro de viagens que demandaram 12, 14 horas de Maringá a Curitiba, pela antiga estrada que, depois, tornou-se a Estrada do Café.

José Wille – O senhor falou dos comícios. Para aquela população, que não tinha grandes opções, era uma espécie de entretenimento?

Túlio Vargas – Ah, sim! O povo se divertia realmente com os comícios. Era uma concentração festiva! O comício era aquela explosão de alegria, através dos shows, principalmente com os cantores sertanejos.

José Wille – Já existia o “showmício”, então?

Túlio Vargas – Exatamente. Lembro que, na minha campanha, tínhamos duas duplas que nos acompanhavam: “Romeu e Glorinha” e “Jandico e Asa Branca”, cantando aquelas músicas todas.

José Wille – Ficavam para depois dos discursos, para o final?

Túlio Vargas – Ficavam para o final, porque, se eles cantassem antes, os comícios esvaziavam…

José Wille – A sua primeira candidatura foi em 1962. Como foi essa convivência de sete anos e o conhecimento dos moradores, até chegar à candidatura?

Túlio Vargas – A gente tem que semear, fazer amigos, prestar serviços. Eu também era muito conhecido na região, porque fazia muitos júris. E, no júri, você tem a oportunidade de mostrar seus dotes oratórios e uma certa agilidade mental. Com isso, meu nome foi ganhando a credibilidade da população. De tal modo que, quando chegou a eleição para deputado estadual, em 1962, não encontrei dificuldades em colocar a minha candidatura sob julgamento das comunidades de toda aquela região. Mas eu organizei vários diretórios do partido, pelos quais pretendia disputar a eleição em todos aqueles municípios. E tive também a sorte de contar, naquela eleição, com o apoio fundamental – que decidiu minha eleição e me deu a maioria de votos naquele pleito – do prefeito da cidade de Maringá na época, o dr. João Paulino Vieira Filho. Ele tinha um grande prestígio popular e transferiu a maior parte deste prestígio para meu nome, o que permitiu que eu fosse o deputado mais votado da região e ficasse com aquilo que se chamava, na época, de comando político daqueles municípios.

José Wille – Poucas pessoas naquele tempo tinham formação superior. Os candidatos mostravam algum conhecimento para enfrentar os problemas da região?

Túlio Vargas – Não. Já no campo político, havia muitos advogados. Tínhamos várias pessoas com qualificação profissional. Por exemplo, o meu grande concorrente, grande adversário na região, foi Haroldo Leon Peres, que era um tribuno excelente, embora muito agressivo, mas que tinha também um grande prestígio na região.

José Wille – O senhor foi mais votado do que ele em 1962, mas ele também chegou à Assembleia.

Túlio Vargas – Na Assembleia, sim. Depois, nós ainda fizemos dobradinha, na minha segunda eleição para deputado estadual, em alguns municípios. Não em Maringá, porque isso era totalmente incompatível. Ali, a rivalidade era tão grande entre os partidários de Haroldo Leon Peres e os de João Paulino, a cujo grupo eu pertencia, que não se podia pensar numa dobradinha desta natureza. Mas, em alguns municípios da região, nós fizemos a dobradinha – o Haroldo para deputado federal e eu para deputado estadual.

José Wille – Com as rivalidades dos grupos, o eleitor do interior, naquela época, aceitava uma mudança partidária ou uma coligação?

Túlio Vargas – A rivalidade era profunda e isso nos beneficiava, porque sempre tínhamos aquela votação maciça e o nosso adversário também, porque eram duas alas mais ou menos equilibradas. E a rivalidade aprofundou-se de tal maneira que o povo não imaginava que pudesse haver uma coligação dessas duas forças. Em uma das eleições à prefeitura municipal, a ala do Haroldo, que era a da UDN, e a nossa ala, que era a do PDC e PSD, uniram-se em torno de um candidato, mas o povo não aceitou. Acabou elegendo um terceiro candidato. Foi quando surgiu, na política de Maringá, o PTB, com o Sílvio Barros, cujo filho hoje é deputado federal – o Ricardo Barros. Então, surgiu aí uma terceira força, porque o povo não admitia que adversários tão distanciados como éramos pudessem, um dia, se unir. Não aceitou.

José Wille – O rádio estava chegando àquela região e os jornais ainda eram precários. Isso tinha alguma influência na eleição ou a campanha baseava-se no contato pessoal com o eleitor?

Túlio Vargas – Os comícios já eram transmitidos pelo rádio. Em Maringá, ouvia-se, naquela época, a rádio Cultura, que foi a primeira. Depois, foram surgindo as outras, que transmitiam os comícios. Mas a afluência aos comícios era enorme, independente de que fossem transmitidos ou não. O povo ia mesmo à praça pública. Eram comícios enormes, verdadeiras multidões, principalmente nas eleições municipais, que acirravam mais os ânimos.

José Wille – O que era fazer uma campanha em 1962, lá no Norte do Paraná? Significava visitar cada sítio, cada casa?

Túlio Vargas – Ah, sim! Visitávamos todos e havia uma grande vantagem – não havia cabo eleitoral profissional. Hoje, quando se vai fazer uma campanha, tem que se contratar cabos eleitorais. Naquela época, havia um voluntariado, uma coisa espontânea, era paixão! Quem era de um lado era daquele lado – morria por aquele lado e não cobrava nada para trabalhar. Ainda outra coisa: foi uma fase em que não se pedia emprego. A grande dificuldade do político é essa pressão pelo emprego público, que lá não existia, porque todo mundo tinha sítio ou trabalhava no mercado do café, no comércio do café, ou na praça, com carro de praça, ou no comércio. Todo mundo ganhava dinheiro e ninguém se preocupava em querer ser funcionário público. Então, era um conforto para os políticos fazer campanha. Só ultimamente é que esse processo se alterou, com a crise econômica que atingiu o Norte do Paraná. Então, começou a surgir o problema do clientelismo e do cabo eleitoral pago. Na época em que eu fiz política no Norte do Paraná, não havia o cabo eleitoral remunerado.

José Wille – O senhor falou da rivalidade. E o jogo sujo em campanha eleitoral, que, mais tarde, surgiu na televisão. Já  existia também a baixaria em campanha?

Túlio Vargas – Existia, pois o jogo sujo é inerente à política. A política não foi feita para os éticos. Na política, infelizmente, sobrevivem aqueles que usam de métodos aéticos. Então, esse jogo sujo da política, dos bastidores, da intriga, isso sempre existiu e existirá cada vez mais.

José Wille – A intriga, a acusação , os exageros…

Túlio Vargas – Ah, sim! As acusações, as calúnias – isso era comum, porque isso é da condição humana.

José Wille – Em uma cidade pequena, onde, a todo momento, está se encontrando o adversário. Como era a convivência?

 Túlio Vargas – Dependendo do temperamento de cada um, é evidente, as reações são imprevisíveis. Havia pessoas violentas, que chegavam ao extremo de atirar, de agredir fisicamente. Cada caso era um caso. Dependia, vamos dizer, do caráter e do temperamento de cada candidato, de cada político.

José Wille – Era uma época difícil, mas as pessoas conseguiam fazer dinheiro no campo, com as terras baratas e uma boa produtividade.

Túlio Vargas – Exatamente. O café e, depois, a soja… Ali, todo mundo tinha seu sítio, porque era uma região de minifúndios. Então, ninguém se interessava por emprego público. Todo mundo tinha seu ganha-pão, sua independência econômica e financeira. E isso facilitava a atividade política, a atividade partidária.

José Wille – Com a sua eleição em 1962, o senhor veio para Curitiba.

Túlio Vargas – Aí, vim exercer o meu mandato como deputado estadual durante quatro anos e, depois, veio a campanha da reeleição. Ampliei as minhas bases, não fiquei só no Norte do Paraná, porque minha primeira eleição praticamente só a fiz na região de Maringá. Depois, eu consegui, por exemplo, uma votação extraordinária aqui no Sul, numa cidade chamada Prudentópolis, graças ao prestígio do prefeito de então, o Josué Corrêa Fernandes, que hoje é um brilhante advogado em Ponta Grossa. E, graças à liderança dele, obtive praticamente 70% da votação do município.

José Wille – Como se criavam essas bases eleitorais para além da cidade de origem do candidato? O atendimento que se dava ao prefeito, que, na hora da eleição, retribuía, trazendo os votos?

Túlio Vargas – Exatamente! Era a prestação de serviços.

José Wille – O deputado passa a fazer parte daquela cidade, politicamente.

Túlio Vargas – Passa a prestigiar o prefeito, a ser um porta-voz do prefeito junto ao governo. E você passa a frequentar o município, a participar da vida da cidade, a criar condições de desenvolvimento para aquele município. Daí, surge uma parceria espontânea e, no momento de uma eleição, existe a contraprestação. O prefeito prestigia aquele que o ajuda, que o prestigia também.

José Wille – Ser um deputado de oposição já é bem mais difícil, porque esse atendimento depende do governo que está no poder.

Túlio Vargas – Sim. O deputado de oposição tem a vantagem de capitalizar os descontentes, aqueles que, por qualquer razão, não foram atendidos num pedido, numa reivindicação. Os que se revoltam e ficam contra, esses vão apoiar a oposição.

José Wille – E aí veio a Revolução de 64. Como foi essa fase mais difícil na Assembleia?

Túlio Vargas – Foi realmente uma fase de grandes dificuldades. A Assembleia foi tolhida na sua independência e houve cassações. Então, havia uma cautela muito grande nos pronunciamentos, porque o parlamento estadual vivia sob ameaça de uma verdadeira espada. Os órgãos de formação do governo revolucionário atuavam dentro da Assembleia, requisitando documentos, requisitando discursos. Enfim, a Assembleia estava sempre sob suspeita. Os deputados tinham certa limitação para exercer seu mandato e alguns daqueles que se rebelaram contra a Revolução, que fizeram discursos de ataque às medidas revolucionárias, foram cassados. E é verdade que houve algumas injustiças também, mas os mais extremados, esses, infelizmente, foram vitimados pelos Atos Institucionais.

José Wille – Que análise o senhor tem do primeiro governo de Ney Braga, principalmente do ponto de vista da sua região, que era Maringá, até então quase isolada do resto do estado, sem asfalto?

Túlio Vargas – Foi um governo modelar, foi um governo exemplar. Até se diz que o Paraná, no seu período histórico, pode ser dividido em duas fases: antes e depois de Ney Braga, porque, realmente, os melhoramentos que ele trouxe, principalmente para o interior do estado, revelaram a visão de um verdadeiro estadista. Ele mexeu com toda a infraestrutura, plantou um sistema de governo de resultados a médio e longo prazo, iniciou o processo de industrialização do Paraná, deu amparo total à agricultura, fez a ligação asfáltica entre o Norte e o Sul, esse processo de integração que é responsável pela prosperidade do Paraná. Em todos os setores – Sanepar, Telepar, Copasa… Eu estaria aqui em um processo de repetição para relatar aquilo que a nossa geração já conhece através dos livros e através do depoimento de pessoas que viveram este ciclo verdadeiramente revolucionário em termos administrativos, em termos governamentais.

José Wille – Em 1966, o senhor conseguiu a reeleição. O senhor já estava morando em Curitiba, mas havia essas bases para visitar – e isso acontece com todo deputado que deixa o interior e vem para Curitiba. Como era a manutenção desse contato com a base eleitoral para conseguir a reeleição?

Túlio Vargas – Você consegue a reeleição se você atender às suas bases. Então, eu fiquei em Curitiba, mas estava periodicamente indo ao interior, visitando as bases e prestando serviços. O político só se reelege, só enxerga a viabilidade de novas eleições se ele corresponder à confiança do povo naquilo que o povo deseja dele. Então, o parlamentar não pode ficar encastelado na Assembleia. Ele tem que, periodicamente, ir ao interior, visitar os seus correligionários, propor realizações… Enfim, ser intérprete das aspirações da sua comunidade, para que ele tenha autoridade de pedir voto para a reeleição.

José Wille – Na eleição de 1966, inicialmente, o senhor estaria com a candidatura de Affonso Camargo ao governo do estado, mas, depois, optou pela candidatura de Paulo Pimentel, que acabou sendo a candidatura do partido com o apoio de Ney Braga.

Túlio Vargas – Sim. Pessoalmente, tinha minhas preferências pela candidatura de Affonso Camargo, por várias razões, inclusive por ele ser um jovem com um programa de governo que atendia aos reclames do interior. Mas ocorreu que fui consultar meus prefeitos, meus correligionários do interior, e senti uma inclinação deles pela candidatura do Paulo Pimentel. Então, eu fui à casa do Affonso e lhe comuniquei “Não vou poder ir com a sua candidatura, porque as minhas bases estão desejando a candidatura do Paulo Pimentel”. E ele compreendeu…

José Wille – O Paulo Pimentel, por meio da Secretaria da Agricultura, articulou-se bem para ser o candidato ao governo?

Túlio Vargas – Ah, sim, lógico! Fez uma ótima administração como secretário da Agricultura. E também era um jovem com grandes promessas e um homem carismático. Então, meus correligionários optaram pela candidatura dele e eu me vi forçado a rever minha posição. Mas tive a lealdade de comunicar com antecedência ao Affonso – que já tinha ajudado bastante nas minhas eleições para deputado estadual – de que eu estava inibido de apoiá-lo face à posição dos meus companheiros do interior.

José Wille – Paulo Pimentel não era paranaense. Tinha chegado de São Paulo. E, em pouco tempo, estava em Curitiba. Como o senhor acha que ele se articulou tão rapidamente?

Túlio Vargas – Como eu disse, foi graças à sua administração como secretário da Agricultura, àquela renovação dos rebanhos paranaenses, de sementes selecionadas e de sua distribuição para os agricultores. Então, ele fez uma administração voltada para o homem do campo. E, no interior, prevalece o homem do campo, principalmente no nosso estado, que é eminentemente agrícola. Então, ele ganhou a simpatia desses segmentos, por ter exercido práticas renovadoras na Secretaria da Agricultura. E ainda teve que enfrentar um candidato fortíssimo, que era o Bento Munhoz da Rocha Netto.

José Wille – O Bento acabou perdendo essa eleição. Tentando retornar ao governo, foi derrotado.

Túlio Vargas – É que o povo queria uma novidade, uma cara nova, e o Paulo Pimentel representava esse espírito de renovação.

José Wille – E do governo Pimentel, que análise o senhor faz?

Túlio Vargas – Fez um bom governo, principalmente na área das telecomunicações. Então, não há restrição nenhuma em uma análise crítica que se possa fazer ao seu governo.

José Wille – O senhor estava na Assembleia nesse período e acompanhou o governo dele, no partido de situação dessa época, que era a Arena.

Túlio Vargas – Exatamente…

José Wille – E o afastamento que se deu, essa divisão da Arena no Paraná, com Paulo Pimentel de um lado, Ney Braga do outro – como o senhor acompanhou?

Túlio Vargas – Isso são certos fenômenos da própria política. Aquele que elege o seu sucessor tem que compreender que o sucessor exige certa independência. Ele praticamente quer se desligar desse tipo de influência. Temos, na história política do Paraná, vários exemplos de governadores que se rebelaram contra aqueles que o elegeram. Desde o início do período republicano, já tínhamos problemas dessa ordem.

José Wille – E seu antigo adversário, Leon Peres. Como foi a chegada dele, quando terminou o governo de Paulo Pimentel, ao governo do Paraná, pois não era um nome tão forte entre os políticos paranaenses. Como foi a indicação dele pelo governo Médici ao governo do estado do Paraná?

Túlio Vargas – Ele teve uma atuação muito destacada na Revolução: fez pronunciamentos muito corajosos na Câmara dos Deputados e foi vice-líder do governo na época da Revolução. Com isso, ele se creditou junto às autoridades militares da época e tinha amizades muito grandes naquele grupo que convivia intimamente com o presidente Médici. Aqui no Paraná, não se cogitava o nome dele, que não foi referendado por nenhuma das lideranças da época, nem pelo Ney Braga, nem pelo Paulo Pimentel. Ele foi escolhido, exclusivamente, pela sua convivência mais próxima daqueles que eram os porta-vozes do presidente Médici. Tanto que o presidente Médici até errou o nome dele na hora de anunciá-lo.

José Wille – Foi uma surpresa para a classe política paranaense quando anunciaram o nome dele.

Túlio Vargas – Foi uma surpresa, mas não se pode também cometer nenhuma injustiça. Ele tinha muitos créditos junto à Revolução para merecer a escolha.

José Wille – E a cassação, logo depois? Como repercutiu, para o Paraná, o afastamento dele?

Túlio Vargas – Isso é um assunto tão delicado para comentar, mas também causou surpresa, da mesma forma que a nomeação. Também houve um processo surpreendente, de perplexidade. Por que foi nomeado? E, agora, por que foi cassado? Até hoje, não há uma versão oficial justificando essa cassação.

José Wille – Até a revista “Veja”, que trazia a história, foi recolhida das bancas, em 1970. No auge da repressão, nesses primeiros anos da década de 70, o senhor foi eleito deputado federal, no período de maior fechamento político, no governo Médici. Como o senhor acompanhou este clima em Brasília?

Túlio Vargas – Como deputado federal, vivi em um sistema parlamentar, um sistema praticamente simbólico. O Palácio enviava as mensagens para o Congresso, que meramente as referendava. Não havia aquela liberdade de divergir. Quem divergisse estava sujeito à cassação. Então, o que o governo mandava era aprovado. Foi realmente uma época em que os deputados tiveram a sua competência totalmente tolhida.

José Wille – Ser deputado era uma coisa muito simbólica nesse período. Tinham pouco poder.

Túlio Vargas – Exatamente. Quase não tinha… Não tinha poder nenhum…

José Wille – O papel da imprensa lá em Brasília também era simbólico?

Túlio Vargas – Também! Censurada, a imprensa não podia revelar o que acontecia nos bastidores da política oficial.

José Wille – Para o senhor, então, é um tempo que não deixa saudades?

Túlio Vargas – Na verdade, eu fiquei apenas quatro anos. Depois, vim para cá, já como secretário de estado, mas não posso dizer que não tenha gostado. Foi, de qualquer forma, uma experiência só pelo fato de conviver com as grandes figuras do Senado Nacional e do Congresso Nacional. A gente tinha aquela convivência que, para mim, foi altamente gratificante, porque conheci figuras exponenciais da nossa política e aprendi muito também com a sagacidade e a experiência deles.

José Wille – Em 1974, houve a explosão eleitoral da oposição, que vinha crescendo desde 1972. A abertura que foi dada à televisão, dentro do horário político, em 1974, foi fundamental?

Túlio Vargas – O crescimento da insatisfação popular está na razão direta do desgaste do governo. O regime militar já estava naquele plano inclinado…

José Wille – Depois, veio a crise do petróleo, em 1973…

Túlio Vargas – …Estava naquele plano inclinado e a insatisfação popular era muito grande. Então, na eleição para o Senado, por exemplo, em 1974, que foi aquela verdadeira avalanche, a oposição praticamente fez quase todos os governos dos estados, senadores e tal, demonstrando que o regime militar…

José Wille – Fez os senadores, pois, naquele tempo, o governo do estado não era eleito. Era indicado.

Túlio Vargas – Sim, era indireto, ainda era indireto. A campanha para o Senado foi em 1974. Então, o resltado mostrava que o governo já estava num processo de diluição.

José Wille – O governo federal se arrependeu, quando percebeu o efeito daquela abertura para a oposição na televisão em 1974, quando houve essa votação brutal para o MDB…

Túlio Vargas – Acredito que sim, mas era uma pressão irresistível da opinião pública. Então, o governo não tinha como continuar mantendo aquela censura. Era a força do trabalho da oposição e também da opinião pública.

José Wille – E os senadores biônicos vieram na sequência, como reação governamental.

Túlio Vargas – Era uma forma de tentar equilibrar, pelo menos no Senado, a maioria governamental.

José Wille – Leite Chaves foi uma surpresa. Acho até que nem ele esperava ser eleito…

Túlio Vargas – Naquela eleição, como diz o ditado popular, ganhava até um poste. Naquela eleição, quem encarnasse a oposição ganharia com a facilidade com que Leite Chaves ganhou.

José Wille – Havia a certeza de que João Mansur seria o eleito aqui no Paraná, com o apoio do governo. E a votação foi muito grande para Leite Chaves…

Túlio Vargas – Exatamente…

José Wille – Em 1978, o senhor foi o mais votado para o Senado, mas não levou a vaga, por causa do sistema de sublegenda.

Túlio Vargas – Não creio que fosse só pela sublegenda, foi pelo desgaste do governo federal. O processo revolucionário estava já moribundo e a opinião pública estava totalmente favorável à mudança do regime e à mudança, inclusive, das regras do jogo. O surgimento da sublegenda foi um estratagema do governo, no sentido de acomodar as forças divergentes dentro de seu próprio sistema.

José Wille – Era a Arena 1 e a Arena 2, possibilitando que dois grupos estivessem com o governo, mas em disputa entre eles, na mesma região.

Túlio Vargas – Exatamente. E o que aconteceu, por exemplo, no Paraná: o governo, mesmo ganhando a eleição, teve o seu candidato, que era eu, não sendo eleito. Nos outros estados, aconteceu o contrário. O candidato da oposição foi o mais votado, mas, na soma, ganharam os candidatos do governo. Isso aconteceu, por exemplo, em Pernambuco. Mas aqui havia um fato que pesava bastante no resultado da eleição: o prestígio do governador Jayme Canet Júnior. Salvo Ney Braga, não me lembro de nenhum governador que tivesse, ao final de seu governo, um potencial de credibilidade e de prestígio como Jayme Canet Júnior. Ele emprestou à sua administração um estilo empresarial. Ele governou como um empresário, sem aqueles vícios que são próprios dos políticos. Então, a eleição para o Senado tinha uma possibilidade de vitória, embora soubéssemos dos riscos que representava uma candidatura contra duas da oposição. E, evidentemente, a diferença foi tão pequena que justifica o fato de ter sido apenas uma candidatura, porque, dentro do próprio sistema, duas candidaturas praticamente não funcionavam. É um engano dizer “Tinha que sair mais um!”. Quem era do governo iria votar no candidato do governo e quem era contra iria votar na oposição. Então, o fato que até hoje se comenta: foi um erro estratégico, um erro crasso não ter lançado mais um candidato, pois, com isso, teriam ganho a eleição. Eu acho que foi um erro de cálculo. Agora, a diferença foi tão pequena que valeu a pena o risco de tentar a vitória.

José Wille – Na soma dos votos de Enéas Faria e José Richa, o Richa, que tinha mais votos pela oposição, acabou indo para o Senado.

Túlio Vargas – O Richa, em números globais, deve ter feito 800 mil votos. Eu fiz 1 milhão e 300 mil e o Enéas não lembro quanto fez, mas a diferença foi mínima, de 50 mil votos. De qualquer forma, aquilo mudou a história política do Paraná. Não guardei nenhum ressentimento, nenhuma decepção, porque, afinal de contas, perdi para um candidato de fôlego, que tinha muita força na oposição, que tinha uma tradição política, um homem de bem, como realmente é o ex-deputado e ex-governador José Richa.

José Wille – Em 1974, mostrou-se a força da televisão, quando ela foi aberta à oposição. Com o tempo passou a valer muito mais eleitoralmente o desempenho do candidato na televisão.

Túlio Vargas – O discurso antimilitar – quem fizesse um pronunciamento contra o regime militar estava acrescentando créditos à sua candidatura. Então, não adiantava que você, por exemplo, como candidato do governo, citasse as realizações do governo, que foram muitas, pois não se pode negar que a Revolução trouxe grandes benefícios para o país. Não adiantava você exaltar esses feitos, porque o povo estava predisposto a mudar as regras do jogo. Então, não adiantava. Eu acho que essa eleição de 1978 não me trouxe também nenhum desânimo quanto à política, porque a gente deve encarar como um fato natural do processo político.

José Wille – O senhor, na sequência, foi para a Secretaria de Justiça e ainda teve mais um tempo de participação política.

Túlio Vargas – Fui para a presidência do BRDE, depois fui procurador-geral junto ao Tribunal de Contas. Então, a política não me foi madrasta, não! Fiz muitos amigos e saí, na verdade, realizado dentro da política.

José Wille – Sua última função foi no Tribunal de Contas, onde o senhor se aposentou.

Túlio Vargas – Exatamente…

José Wille –  O senhor tem uma coluna, que é o Porta-Retrato, na “Gazeta do Povo”. Já há muito tempo o senhor conta a biografia das grandes personalidades do Paraná. Como surgiu esse trabalho?

Túlio Vargas – É que a memória do povo é muito curta. Se não formos estimulados a esses exames retrospectivos, procurando, recolhendo do passado as lições, os exemplos, as experiências, praticamente não teremos também uma visão de futuro. Acho que todo o processo de crescimento de uma pessoa deve estar vinculado ao seu passado e também às perspectivas de futuro. O dr. Francisco Cunha Pereira entendeu que a “Gazeta” devia fazer esse trabalho de recordar as grandes figuras da vida política, cultural, da vida administrativa do estado. Com isso, instituiu, aos sábados, a coluna Porta-Retrato, onde eu faço a pesquisa e recomponho os alinhamentos históricos de todas essas pessoas que um dia prestaram algum serviço ao Paraná. Em razão disso, já estou com mais de 500 biografias, mais de 500 perfis biográficos, que estão à disposição dos interessados nas bibliotecas. Podem ser encontrados na Biblioteca Pública do Paraná, aqui em Curitiba, e também na Biblioteca do Centro de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico. Esses trabalhos estão encadernados e podem ser pesquisados por todos aqueles que tenham interesse em conhecer estes paranaenses.

José Wille – Deixando a política, o senhor colaborou com o Centro de Letras, a Academia Paranaense de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

Túlio Vargas – No momento em que fui para o Tribunal de Contas, pela Constituição, eu estava impedido de fazer política. Essa minha permanência se prolongou de tal maneira que me afastei das bases. Com isso, evidentemente, fugiu a oportunidade de voltar a me candidatar a qualquer cargo eletivo. E fui me dedicar àquilo que eu sempre quis – a atividade literária, cultural. Tenho feito isso através da publicação de livros – hoje tenho mais de 17 títulos publicados – através de administração do Centro de Letras e, agora, como presidente reeleito da Academia Paranaense de Letras. Então, estou, na verdade, me realizando naquilo que me faz bem ao espírito. Faço um outro tipo de política, a política cultural, procurando também levar à juventude lições de história, fazendo intercâmbio com entidades do interior, procurando, enfim, ampliar o espaço cultural da minha cidade e também do meu estado.

 

 

 

 

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